O GLOBO - 13/06
Dois episódios no mesmo dia mostram como o governo carece de uma coordenação, e não apenas no campo político. Nos dois casos, teve que voltar atrás de decisões anunciadas, ou propostas veladamente, diante da reação da opinião pública.
O mais notável tiro no pé foi a tentativa de ressuscitar a famigerada CPMF, extinta em 2007 em uma mobilização histórica do Congresso, refletindo a indisposição da sociedade em pagar mais impostos.
O ministro da Saúde, Arthur Chioro, autorizado pela presidente, começou a negociar o retorno dessa contribuição, e a reação foi tamanha que o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, teve que vir a público para dizer que não via condições neste momento para tal decisão.
A verdade é que o governo está em busca de cerca de R$ 20 bilhões para completar o ajuste fiscal, e certamente veremos tentativas diversas de criação de impostos nos próximos meses.
Além de ter seu objetivo, o de atender à Saúde, desvirtuado, a CPMF acabou sendo identificada com a injustiça do sistema tributário brasileiro, pois estudos acadêmicos identificaram que, ao contrário do que defende o PT, a CPMF é tremendamente regressiva.
Na época em que a CPMF estava em debate, a professora Maria Helena Zockun, da Fipe, que coordenara uma proposta de reforma fiscal para a Fecomércio, aproveitou cálculos realizados pela revista da USP e converteu o peso da CPMF em proporção da renda de cada bloco de família.
O estudo muito detalhado dos economistas Nelson Paes e Mirta Noemi sobre parâmetros tributários apurou quanto da CPMF incide sobre o consumo das famílias brasileiras, divididas em dez classes de renda e por tipo de consumo.
Por ser um tributo indireto em sua maior parte, as empresas repassam a CPMF para o preço dos produtos comprados pelas famílias, e assim a alíquota de 0,38% acaba virando entre 1,31% e 1,33% sobre o que gastam com consumo, não havendo praticamente diferença entre ricos e pobres, que pagam o mesmo sobre o consumo.
Ao converter o peso da CPMF para cada renda familiar proporcionalmente, porém, a professora chegou a um quadro de desigualdade flagrante. Segundo o estudo, como quem ganha menos gasta parcela maior de sua renda com consumo do que os que ganham mais, e os de renda mais baixa gastam tudo que ganham e às vezes até mais, o resultado é que, em proporção de renda, os pobres pagam mais CPMF do que os ricos. Quanto maior a renda, menor a carga de CPMF, justamente ao contrário do discurso do Planalto.
Para as famílias que ganham até dois salários mínimos por mês, o peso da CPMF é de 2,19% da renda total mensal, ao mesmo tempo em que, para as famílias que ganham mais de 30 salários mínimos, esse indicador é de 0,96% da renda total mensal - o que, segundo o estudo, mostra nitidamente como esse tributo é regressivo.
Outro desencontro governamental formidável foi a tentativa do Itamaraty de proteger Lula de pedido da "Época" baseado na Lei de Acesso, para que os documentos referentes a atividades da empreiteira Odebrecht no exterior entre 2003 e 2010 fossem divulgados. Documentos arquivados sob a classificação de "reservados" estão liberados depois de 5 anos, segundo a legislação.
Pois não é que o diretor do Departamento de Comunicações e Documentação (DCD) do Itamaraty, João Pedro Corrêa Costa, tomou a iniciativa de sugerir por escrito que os documentos fossem reavaliados? Como disse posteriormente o Itamaraty em nota oficial, não há nada de errado nisso, já que a Lei de Acesso à Informação prevê que os documentos sejam revistos de tempos em tempos. O que há de errado é a motivação do pedido.
Segundo o diplomata João Pedro Costa, "dado o fato de o referido jornalista já ter produzido matérias sobre a Odebrecht e um suposto envolvimento de Lula em seus negócios internacionais, muito agradeceria a Vossa Excelência reavaliar a anexa coleção de documentos e determinar se há, ou não, necessidade de sua reclassificação para o grau de secreto".
O importante é que o nome "Lula" não fora mencionado no pedido da "Época". O sagaz diplomata juntou dois mais dois e prontificou-se a proteger o ex-presidente. Incorreu no artigo 32 da mesma Lei de Acesso, que diz ser ilícito "impor sigilo à informação para obter proveito pessoal ou de terceiro, ou para fins de ocultação de ato ilegal cometido por si ou por outrem".
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