quinta-feira, outubro 09, 2014

Ebola encontra portas abertas - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE

CORREIO BRAZILIENSE - 09/10

Há exatos dois meses, a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou a epidemia de ebola, então limitada à África Ocidental, emergência pública sanitária internacional. Na semana passada, um liberiano recém-chegado do continente africano era diagnosticado com a febre hemorrágica em hospital de Dallas, nos Estados Unidos. Na última segunda-feira, uma auxiliar de enfermagem espanhola, que cuidara de dois missionários que contraíram o vírus em Serra Leoa, recebeu, em Madri, a confirmação de que havia sido infectada.

Isolados, os dois casos já seriam preocupantes. Mas nem se sabe ao certo com quantas pessoas - dezenas estão sendo monitoradas - os doentes tiveram contato. Ou seja, ficou patente a incapacidade dos países de responder satisfatoriamente ao alerta da OMS. E preocupa, sobretudo, que a porta tenha sido arrombada em países do Primeiro Mundo, com controles sanitários e sistemas de saúde supostamente rigorosos e consolidados. O nigeriano, que morreu ontem, chegou ao hospital americano com sintomas da doença e avisando que vinha da Libéria, foco do surto de ebola.

Nesse contexto, nem dá para animar-se com a expectativa de que, até o fim da semana, a Nigéria e o Senegal possam completar 42 dias - dobro do período máximo de incubação do vírus - sem infecções e ser declarados livres do surto. Afinal, a doença altamente letal, que só na presente epidemia já matou perto de 3,5 mil pessoas, rompeu as fronteiras dentro das quais se mantinha restrita desde que descoberta, quase quatro décadas atrás. E isso, vale ressaltar, menos de 60 dias depois de a OMS recomendar aos países o reforço da vigilância e dos planos de contingência.

Pois bem, o prenúncio transformou-se em realidade na América e na Europa, quase simultaneamente. Há, ainda, uma médica norueguesa levada doente de Serra Leoa para Oslo, a capital da Noruega. A impressão é de que custou a cair a ficha de que a ameaça era real. Tanto que, ontem, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos admitiu a necessidade de medidas mais rígidas. Já o governo espanhol, por intermédio do primeiro-ministro, Mariano Rajoy, preferiu pedir tranquilidade à população. E insistir na tese da dificuldade de transmissão, uma vez que o contágio apenas se dá em contato direto com paciente em avançado estágio da doença.

É verdade, mas o argumento está longe de sugerir qualquer acomodação das autoridades. O liberiano chegou ao Texas infectado. Entrou no país, apresentou-se a um hospital, comunicou sua origem e, ainda assim, foi mandado para casa com a prescrição de antibióticos. Internado posteriormente, resistiu por pouco mais de uma semana. Com a espanhola, foi diferente. Trata-se do primeiro caso de contágio pelo vírus ebola fora da África. E ela garante ter seguido os protocolos ao ajudar a tratar dos missionários doentes levados de Serra Leoa para Madri.

E os cuidados no Brasil, país de dimensão continental, com vastas fronteiras e milhares de viajantes mundo afora? Uma das primeiras providências anunciadas foi o reforço da vigilância epidemiológica sobre pessoas provenientes das áreas afetadas, com triagem em aeroportos, portos e regiões fronteiriças. Mas já se tem notícias, inclusive, de senegaleses aproveitando-se da pele negra e do sotaque francês para se fazerem passar por haitianos e entrarem no Acre, vindos do Equador e do Peru. Ou seja, sempre haverá uma porta aberta.

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