GAZETA DO POVO - PR - 04/10
A polarização extravasou as postulações, chegou à gramática e ao protocolo: apoiadores da candidata Dilma Rousseff consideram traição não referir-se a ela como “presidenta” enquanto seus adversários agarram-se à designação que consta na Constituição. A desavença vai além: para alguns, a “desconstrução” do oponente ameaçador é estratégia política válida; para outros, é uma forma velada de fraudar.
Nos últimos dias, diante da exaltação crescente, avulta nova controvérsia: este pleito é, ou não, o mais violento desde a redemocratização? De novo, os mesmos alinhamentos: enquanto os apoiadores da candidatura oficial exibem um clima de normalidade e respeito às regras e bons costumes, eleitores oposicionistas denunciam um escancarado vale-tudo.
A pendência remonta a abril de 2013, quando Eduardo Campos ensaiava os primeiros passos como candidato independente da base aliada e a presidente Dilma, em uma visita oficial à Paraíba, ofereceu uma de suas preciosidades retóricas: “Podemos fazer o diabo quando é hora de eleição, mas quando se está no exercício do mandato, temos de nos respeitar, pois fomos eleitos pelo voto direto”.
O que significava exatamente “fazer o diabo”? Um friforó (free for all), no melhor estilo western? Porventura não estava no pleno exercício do seu mandato ao metralhar, ou desconstruir, a candidata que a ameaçava? O que significa hoje “fazer o diabo”?
Águas passadas: ano e meio depois, na véspera do renhido primeiro turno (que alguns esperam ser o único), vale a pena refletir sobre o nível de ensandecimento do confronto sucessório. Parte dessa exaltação decorre da explosiva mistura de religião com política que agora alcança uma veemência próxima do fanatismo. Outra parte vem da forte sensação de instabilidade fomentada pela renitente inflação, com o seu poder de ressuscitar fantasmas ainda não aposentados.
Impossível ignorar o terceiro componente da atual fervura, representado pelas revelações sobre os escândalos na Petrobras. Os sucessivos e crescentes espantos com o nível da corrupção nacional não se comparam ao impacto causado pelas denúncias e delações na empresa-símbolo nacional.
O corruptômetro atingiu seu limite máximo e, associado à simultânea descoberta do esquema de propinas no alto comando das tropas de elite da PM do Rio (outra entidade-símbolo), traz a roubalheira para perto da insegurança pessoal e alimenta uma indignação já não apenas cívica ou moral.
A candidata-presidente terá de agir com uma energia ainda não exibida nesses quase quatro anos de mandato. E isso já no day after, a próxima segunda-feira. Como no Brasil o candidato à reeleição não é obrigado a licenciar-se (o que seria uma boa solução – para isso existe o cargo de vice-presidente), alguma coisa impactante e consensual precisará ser feita além das “providências cabíveis”.
O espírito de junho de 2013 não foi desativado. Ao contrário, está em ponto de ebulição. O debate entre os candidatos na última quinta-feira, aparentemente civilizado, foi um show de enganações montado pelo conjunto de gênios do marketing político. Prodígio de virtualidade. Não revela o que há de real na fatigada sociedade cordial.
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