quarta-feira, setembro 24, 2014

Argentina aprofunda a experiência chavista - EDITORIAL O GLOBO

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O GLOBO - 24/09

A derrota na Justiça para fundos abutres faz Cristina Kirchner radicalizar contra setor privado e ganhar poderes até para tabelar lucros, sonho dos estatistas


Para azar dos argentinos e do Brasil — pelo efeito da crise do vizinho nas exportações —, o governo de Cristina Kirchner volta a se chavinizar, à medida que a própria crise se aprofunda e o tempo avança em direção às eleições presidenciais do ano que vem.

A política interna argentina tem meandros difíceis de entender por não iniciados no país, e chega a requerer conceitos psicanalíticos na avaliação das crises —não fora Buenos Aires uma das capitais mundiais da psicanálise.

Há alguns meses, a Casa Rosada parecia ter entendido os malefícios de se manter como pária no mercado financeiro mundial, desde que, no final de 2001, no estouro da grave crise do rompimento da política do câmbio fixo, o país entrou em default. Não havia alternativa. Mas o mau relacionamento com os credores piorou com a posse de Néstor Kirchner, em 2003. Arrogante, sem qualquer flexibilidade, o primeiro governo da dinastia Kirchner impôs um grande deságio na renegociação com os credores — em português claro, perda.

Até que os chamados fundos abutres adquiriram no mercado títulos argentinos a preços muito baixos, a fim de depois lutar no foro judicial previsto em contrato, Nova York, para resgatá-los pelo valor integral. Manobra típica desses fundos no mundo inteiro.

Toda essa relação tensa com credores e uma política econômica intervencionista e antiprivatista isolaram a Argentina. A Casa Rosada, porém, passou a se entender com o Fundo Monetário sobre a correta mensuração da inflação — manipulada descaradamente pelo governo — e até se aproximou do Clube de Paris, em que se reúnem os Estados credores, para colocar contas em dia.

A vitória judicial dos fundos em Nova York fez, porém, reverter todos esses avanços, e a Argentina, como em choque por se sentir rejeitada, voltou a heterodoxias econômicas, a se distanciar mais uma vez do mundo. O país voltou ao divã.

A reação do ministro da Economia, Axel Kocillof, um jovem professor universitário marxista, foi sintomática. Por meio dele, o governo de Cristina repetiu o velho estilo de partir para o confronto, quando a sensatez aconselhava o oposto. E assim a Argentina se encontra mais uma vez em default, à margem do sistema financeiro internacional e dos planos de investimentos globais.

Na política interna, a sombra do chavismo, já presente há algum tempo no governo de Cristina K., voltou a aparecer com a aprovação pelo Congresso, sob controle kirchnerista, de nova lei cujo objetivo é intervir no coração das empresas privadas. Afinal, o governo poderá fixar margens de lucro, punir com multas comportamentos que considere maléficos ao abastecimento, e assim por diante. É cópia carbono de políticas adotadas na Venezuela. A crise na economia se agravará e as tensões políticas aumentarão. O governo Dilma, enredado em problemas econômicos, incluindo o comércio exterior, liado ideológico, padecerá ainda mais. Em silêncio, é claro.

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