FOLHA DE SP - 29/08
Impossível ler a recente declaração do ministro Guido Mantega ao "Valor" (22/8) --"as nossas contas públicas estão absolutamente organizadas"-- e não lembrar do que os ingleses definem como a primeira lei do jornalismo: "não acredite em nada até que tenha sido oficialmente negado".
O que já era ruim está se tornando ainda pior. Além dos problemas de execução da política fiscal, com resultados cada vez mais distantes das metas definidas pelo próprio governo, há fortes indícios de que o repertório de truques e malabarismos contábeis vem se ampliando perigosamente nos últimos meses.
No início do ano, o governo anunciou com estardalhaço que aumentaria o esforço fiscal. O compromisso era produzir um superávit primário de 1,9% do PIB ou R$ 80,8 bilhões em 2014. Seria um resultado digno de respeito, tendo vista tratar-se de um ano eleitoral em que a pressão sobre os gastos tende a crescer.
O resultado do primeiro semestre, contudo, torna praticamente nula a probabilidade de que a meta seja cumprida. Premido pela queda de arrecadação causada pelo retração da economia e pela pletora de desonerações e subsídios espalhados a esmo nos últimos anos, o saldo primário fechou o semestre em R$ 17,4 bilhões. O resultado estrutural --que exclui do cálculo os efeitos do ciclo e das receitas e despesas não recorrentes-- deve terminar o ano próximo de 0% do PIB.
O aspecto mais preocupante, entretanto, são os indícios de que ao invés de abandonar o recurso à "contabilidade criativa", como chegou a anunciar, o governo vem de fato se enredando ainda mais em práticas de disfarce e manipulação dos números.
Além dos "restos a pagar", subsídios ocultos, operações casadas com estatais e atrasos em repasses aos entes federativos, a novidade agora é o uso dos bancos oficiais como financiadores do Tesouro.
O expediente foi revelado por fiscais do Banco Central e consiste na prática de servir-se da Caixa e do Banco do Brasil a fim de efetuar pagamentos a descoberto de obrigações do Tesouro junto a beneficiários de programas sociais e produtores rurais, entre outros. Nos balanços do primeiro semestre, o saldo negativo do "cheque especial" do governo era de R$ 3,9 bilhões na Caixa e R$ 9,8 bilhões no BB.
Além de violar a Lei de Responsabilidade Fiscal, que proíbe esse tipo de operação, o expediente causa enorme prejuízo aos bancos estatais e nos aproxima mais alguns passos de perder a condição de "grau de investimento".
Como um alcoólatra que jura largar o vício, mas sucumbe a cada nova tentação que se oferece, o governo Dilma repete a sina da oração do jovem Santo Agostinho: "Dai-me, Senhor, a temperança e a virtude, mas não já".
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