O GLOBO - 29/05
Milhões têm sido atormentados por grupos organizados que, sob diversos pretextos, fecham vias essenciais diante da passividade do poder público
Faz quase um ano que as principais cidades brasileiras convivem com manifestações de rua. Muito natural num regime democrático, em que uma das características é a garantia à liberdade de expressão. Mas não é simples assim.
Em junho do ano passado, o país viu surgir um movimento de características especiais: fermentado nas redes sociais na internet, sem ligações com sindicatos, à margem do comando da cúpula de partidos como o PT e suas máquinas de fazer mobilizações políticas.
Em algumas passeatas, bandeiras e faixas de partidos foram proibidos. Ficava entendido que se tratava de uma erupção social suprapartidária causada pelo cansaço de cidadãos de diversos extratos sociais diante do descaso do poder público com serviços essenciais — educação, saúde e transporte.
Houve simpatia com o gesto. Mas, não muito tempo depois, os manifestantes de junho foram banidos das ruas por sindicalistas e militantes partidários. Grupos de vândalos passaram a se aproveitar para promover depredações, até que dois deles assassinaram, no Rio, o cinegrafista da Bandeirantes, Santiago Andrade.
Há meses, cidades como Rio e São Paulo são forçadas a incorporar a seu cotidiano uma infinidade de manifestações de rua, algumas muito violentas. Incendiar ônibus passou a ser perigosa rotina, sempre em prejuízo da maioria da população, a que se utiliza do transporte coletivo.
A vida de milhões pessoas tem sido atormentada por grupos organizados que, sob os mais diversos pretextos, fecham vias essenciais. A PM, por sua vez, evita agir com violência — o que não é mal —, porém, como falta um protocolo de operação pelo qual direitos individuais sejam protegidos, sem excessos policiais, tudo continua na mesma. E quaisquer 50 pessoas podem paralisar amplas áreas de Rio, São Paulo ou qualquer outra cidade, em prejuízo, por exemplo, do atendimento de emergência à população, pois ambulâncias, patrulhas e bombeiros também são apanhados pelos enormes engarrafamentos.
É de extrema oportunidade, então, um insuspeito manifesto lançado por professores e pesquisadores universitários — entre eles, Alba Zaluar e Simon Schwartzman — em que é exigido do poder público que “preserve o direito de ir e vir a todos aos cidadãos, não apenas aos grupos de manifestantes”. É criticada a passividade das autoridades diante da situação. O documento alerta que o efeito deste absoluto desregramento é o descrédito das próprias manifestações — “isso não é democracia, mas prepara sua destruição”.
Já passou, portanto, da hora de os governos agirem. Basta exigirem o cumprimento do que já estabelece a legislação, inclusive a Constituição. Falta decisão política para se fazer o óbvio.
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