O ESTADÃO - 27/04
O quadro do mercado de trabalho é, em geral, bom, e exibe três coisas positivas: criação de postos de trabalho, uma taxa de desemprego bastante baixa e salários reais crescentes. Entretanto, existe uma desaceleração cada vez mais clara. Chegaremos ao final do ano com um desemprego mais elevado e uma massa de rendimentos menor. A dúvida é qual a velocidade da piora, não a tendência. Vejamos os fatos.
O dado de março do Caged, recém-divulgado, foi fraco, indicando uma criação de apenas 13.000 novas posições. O trimestre, por outro lado, foi positivo: 345.000 novos empregos, uma expansão de 13% em relação ao mesmo período do ano anterior.
Entretanto, sabemos que o Caged é nacional e capta apenas o mercado formal, onde os trabalhadores têm carteira assinada. Por outro lado, a pesquisa mensal de emprego (PME) que cobre apenas seis capitais, mostra uma forte queda no emprego sem carteira. Em relação a março do ano passado, o emprego formal subiu 2,7% e o sem carteira caiu 9,6%. Isso mostra que o efeito líquido no mercado de trabalho é bom, mas menor do que mostram os dados do ministério.
Essa é uma divergência que a Pnad Contínua ajudará a esclarecer e dimensionar, dado seu caráter nacional.
O segundo dado positivo no mercado de trabalho foi mostrado pela PME: a queda na taxa de desemprego, ajustada sazonalmente, foi para 5%. Aqui também existe uma divergência que deve ser lembrada: a queda na taxa de desemprego do segundo semestre do ano passado foi muito maior nas seis capitais cobertas pela PME (provavelmente por conta da Copa do Mundo) do que a revelada pela Pnad Contínua. Ao mesmo tempo, a taxa de desemprego para o Brasil se revelou muito mais alta que a da PME. Talvez seja por isso que exista muito receio quanto à divulgação dos dados da Pnad Contínua para 2014 (devo esse ponto a Sergio Vale). Entretanto, aqui também cabe uma qualificação importante: a população ocupada ficou estável e o que se reduziu foi a população procurando emprego, uma vez que nos últimos 12 meses, mais de 700.000 pessoas saíram do mercado de trabalho.
As razões para tanto não são totalmente claras, mas englobam pelo menos três questões diferentes. Uma, francamente positiva, é que os jovens estão ficando mais tempo na escola, retardando sua entrada no mercado de trabalho. Uma segunda explicação, agora negativa, é a elevação do número de pessoas, também jovens, que não estudam nem trabalham. Finalmente, existem pessoas mais maduras que deixam o mercado de trabalho porque a renda familiar se elevou, inclusive por conta da expansão do sistema de bolsas e transferências.
Esse fenômeno de redução da chamada taxa de ocupação (proporção da força de trabalho que trabalha ou busca emprego, em relação ao total da população em idade de trabalhar) revela mais do que tudo uma das nossas dificuldades para crescer. Como se sabe, nosso trabalhador é pouco produtivo (porque é pouco educado e treinado) e está ficando cada vez mais escasso. Esse fenômeno parece positivo, pois os salários reais seguem se elevando, mesmo com um crescimento muito baixo. Por exemplo, o Caged mostra que no primeiro trimestre deste ano, os salários médios de admissão subiram 2,5%, em termos reais, sendo que o ganho das pessoas com até a quinta série incompleta subiram 4,6%.
No curto prazo, esse comportamento parece positivo. Ao longo do tempo, o efeito é devastador, pois reforça a tendência atual de crescer pouco e com pressões inflacionárias, fenômeno conhecido como estagflação. Dizer que tem países crescendo menos do que nós é um pobre consolo. Dizer que a culpa é da crise internacional é insuficiente, pois não explica por que outras regiões crescem mais frente ao mesmo cenário exterior.
Dada a situação acima descrita, a massa real de salários subiu 2,4% em 12 meses. Entretanto, aqui já podemos ver algumas das fragilidades do mercado de trabalho. Em primeiro lugar, três das seis regiões metropolitanas consideradas na PME, apresentam queda na massa de renda nos últimos 12 meses: Recife, Salvador e Belo Horizonte. Em São Paulo, o crescimento foi de 1,9% e apenas no Rio de Janeiro e em Porto Alegre a massa cresceu de forma significativa, 4,4% e 6,5%, respectivamente.
Em segundo lugar, chama a atenção que o rendimento do grupo sem carteira caiu 8%, junto com o emprego em apenas um ano. Na mesma direção, o Caged mostrou que o emprego caiu no Nordeste, no Norte e no Centro-Oeste e subiu apenas no Sul e no Sudeste. O mercado de trabalho não anda na mesma direção do ponto de vista regional.
Por setores, e ainda se utilizando do Caged, a evolução do emprego no último ano foi negativa na construção e na indústria e positiva no comércio e no setor financeiro. Olhando para a frente, essa tendência deve se acentuar, uma vez que muitas obras têm de ficar prontas antes da Copa do Mundo, o que implica na desmobilização total ou de parte das equipes no segundo semestre. Na indústria, o excesso de estoques de veículos vai levar a uma redução da produção e dos empregados na cadeia automotiva. Além disso, muitas empresas estão desligando equipamentos para vender energia no mercado livre (como em alumínio, ferro ligas e outras) o que deve se manter na maior parte do resto de 2014. Outros setores, como eletrônica de consumo, tiveram demanda antecipada, por conta da Copa. Finalmente, o setor de bens de capital espera um ano muito fraco, inclusive, porque as agruras pelas quais passa a Petrobrás está machucando, e muito, sua cadeia de fornecedores.
Em resumo, o mercado de trabalho ainda é bom, mas a situação vem piorando, o que só deve se acentuar daqui para frente. Um dos aparentes enigmas da economia brasileira tende a ser resolvido, uma vez que temos tido crescimento muito fraco, contemporâneo, a uma taxa muito baixa de desemprego.
Logicamente, isso não poderia se manter por muito tempo. A piora no mercado de trabalho vai se tornar compatível com a medíocre expansão do PIB.
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