GAZETA DO POVO- PR - 13/03
O que o papa quer é a ênfase no ser humano: nem escravo do mercado, nem escravo do Estado
Um ano atrás, o cardeal francês Jean-Louis Tauran pronunciou, da sacada da Basílica de São Pedro, em Roma, o nome do argentino Jorge Mario Bergoglio como o novo líder da Igreja Católica, após a inesperada renúncia de Bento XVI. O eleito, que adotou o nome Francisco, surpreendeu a todos com sua simpatia e conquistou católicos e não católicos com seu carisma autêntico de pastor. Seus gestos de carinho percorreram o mundo e encontraram eco especialmente no Brasil, que recebeu a primeira visita internacional do novo papa. Francisco, assim, desarmou os corações e as mentes de todos para que pudessem não apenas admirar a pessoa do papa, mas também ouvir a sua mensagem – uma mensagem que se aplica não só aos que compartilham da mesma fé de Francisco, mas também, como diz uma das orações da liturgia católica, a todos os homens de boa vontade.
Como arcebispo de Buenos Aires, Bergoglio presenciou o drama da pobreza que atinge muitos daqueles dos quais era pastor. Essa realidade o marcou a ponto de Francisco fazer do combate à exclusão um dos principais carros-chefes de seu papado. E, aqui, ele teve a sabedoria de não abraçar nenhum dos dois extremos que muito frequentemente são apontados como a panaceia que resolverá o problema da pobreza.
Por um lado, Francisco fez questão de se distanciar do liberalismo econômico, guiado pelo puro laissez-faire e pela supremacia absoluta do mercado. Suas palavras na exortação apostólica Evangelii Gaudium (“A alegria do evangelho”) são enfáticas, denunciando a “relação estabelecida com o dinheiro, porque aceitamos pacificamente o seu domínio sobre nós e as nossas sociedades. A crise financeira que atravessamos faz-nos esquecer que, na sua origem, há uma crise antropológica profunda: a negação da primazia do ser humano”.
Mas nem por isso a solução é o marxismo, diz o papa, que em uma entrevista classificou essa ideologia como “equivocada”. Francisco conhece em primeira mão as consequências dos populismos de esquerda na América Latina: ainda como arcebispo de Buenos Aires, entrou em embates com Cristina Kirchner; e nomeou como secretário de Estado, um posto crucial no Vaticano, o italiano Pietro Parolin, ex-núncio na Venezuela, país em que a Igreja e alguns bispos em especial já foram vítimas de ataques chavistas.
O que Francisco propõe é, em consonância com a mensagem tradicional da Igreja Católica, a ênfase no ser humano: nem escravo do mercado, nem escravo do Estado. A solidariedade que Francisco quer se manifesta no exemplo bem-humorado de seu discurso na favela de Manguinhos, durante sua visita ao Brasil. “Quando somos generosos acolhendo uma pessoa e partilhamos algo com ela – um pouco de comida, um lugar na nossa casa, o nosso tempo – não ficamos mais pobres, mas enriquecemos. Sei bem que quando alguém que precisa comer bate na sua porta, vocês sempre dão um jeito de compartilhar a comida: como diz o ditado, sempre se pode ‘colocar mais água no feijão’!”
E essa solidariedade se manifesta especialmente com os mais vulneráveis da sociedade: não apenas os pobres, mas também os idosos, os doentes, as crianças. Francisco denuncia constantemente a “cultura do descartável” que considera dispensáveis determinadas vidas só porque não produzem ou porque “atrapalham”. “Cada criança não nascida, mas condenada injustamente a ser abortada, tem o rosto de Jesus Cristo”, disse a um grupo de médicos italianos em setembro de 2013.
“As coisas têm um preço e podem ser vendidas, mas as pessoas têm uma dignidade, valem mais do que as coisas e não têm preço. Encontramo-nos muitas vezes em situações onde vemos que aquilo que menos custa é a vida”, disse o papa na mesma ocasião. É um diagnóstico que independe da fé religiosa de cada um. Reverter essa situação e valorizar toda vida humana é missão de todos, católicos ou não. Que mais e mais pessoas se deixem inspirar por Francisco em busca desse objetivo.
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