FOLHA DE SP - 19/02
SÃO PAULO - No belo artigo que escreveu para a Folha na semana passada, meu amigo Eduardo Giannetti lembra que a desigualdade não é um mal em si. Ela coloca (ou não) um problema ético dependendo da forma como foi estabelecida.
Reproduzo suas palavras: "A questão crucial é: a desigualdade observada reflete essencialmente os talentos, esforços e valores diferenciados dos indivíduos ou, ao contrário, ela resulta de um jogo viciado na origem --de uma profunda falta de equidade nas condições iniciais de vida, da privação de direitos elementares e/ou da discriminação racial, sexual ou religiosa?".
Essa é, sem dúvida, uma distinção importante. É nela que fundamos a noção de mérito, que legitima instituições venerandas como concursos públicos, provas escolares e esportivas e até a mais arcana ideia de sucesso (ou fracasso) na vida.
Não resisto, porém, a complicar as coisas invocando John Rawls. Para o filósofo norte-americano, a roleta genética das capacidades e aptidões naturais não é essencialmente "mais justa" do que os direitos de nascimento que a nobreza se autoatribuía ou as vantagens proporcionadas por crescer numa família rica.
A tese é radical. Atributos como força, inteligência e beleza seriam um prêmio indevido, já que resultam de combinações aleatórias de genes e não de virtudes individuais. Se é injusto discriminar alguém devido à cor da pele, é injusto favorecer outrem porque teve a sorte de nascer com a qualidade certa na época certa.
Aqui, a própria ideia de mérito parece derreter diante de nossos olhos. É possível salvá-la? Se temos como pressuposto uma noção mais absoluta de justiça como Rawls, creio que não. Pragmaticamente, porém, dá para defender que o Estado contrate o candidato que foi melhor na prova porque ele tende a ser mais eficiente. O problema é que assim fica mais difícil equiparar automaticamente a noção de meritocracia à de justiça.
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