O Estado de S.Paulo - 31/12
Com a arrecadação especial de R$ 35,4 bilhões no mês, o governo central converteu em superávit um déficit primário de R$ 6,5 bilhões em novembro. As autoridades podem até festejar o resultado, mas apresentá-lo como sinal de boa gestão financeira e de melhora das contas públicas é mais uma embromação. O balanço federal permanece ruim, como tem estado há muito tempo. A presidente Dilma Rousseff e sua equipe continuam devendo um esforço muito mais sério para melhorar sua imagem e reduzir o risco de rebaixamento da nota de crédito do País.
A aritmética é simples. O governo central arrecadou em novembro R$ 126,4 bilhões. Descontadas as transferências a Estados e municípios, sobrou uma receita líquida de R$ 108,1 bilhões. Subtraídos os R$ 35,4 bilhões de receitas excepcionais, restariam R$ 72,7 bilhões. Depois das despesas de R$ 79,2 bilhões, o saldo seria um déficit de R$ 6,5 bilhões. Sem superávit primário, faltaria dinheiro para a liquidação de parte dos juros da dívida pública. Esse pagamento tem sido a destinação normal do saldo primário.
As autoridades poderiam recorrer a dois argumentos para defender sua interpretação otimista dos números. Em primeiro lugar, aqueles R$ 35 bilhões de fato foram recebidos e é legítimo incluí-los no resultado primário. De fato, entraram e foram usados, mas é um erro grave e perigoso incluí-los na avaliação de resultados e perspectivas das contas públicas.
Essa receita especial foi formada por dois componentes. O novo Refis, programa de parcelamento de dívidas tributárias em atraso, proporcionou R$ 204 bilhões. Novas parcelas, menores, deverão entrar nos próximos meses, se os beneficiários do refinanciamento continuarem pagando. Em outros programas desse tipo, a maior parte dos beneficiários deixou de pagar em pouco tempo.
O outro componente, de R$ 15 bilhões, foi o bônus do leilão do Campo de Libra, no pré-sal. Não se espera novo leilão do mesmo campo. Outras licitações poderão render algum dinheiro, mas serão sempre receitas excepcionais, sem vínculo com a gestão normal das contas públicas.
Mas seria legítimo, poderia alegar algum representante do governo, incluir na "normalidade fiscal" pelo menos a arrecadação proporcionada pelo Refis. Afinal, esse dinheiro é parte dos créditos tributários do Tesouro. Seria esse o segundo argumento a favor de uma avaliação melhor da gestão fiscal.
Se esses R$ 20,4 bilhões fossem incluídos no conceito de normalidade, haveria um superávit "real" de R$ 13,9 bilhões, pouco inferior a 50% daquele inscrito na contabilidade oficial. Não há, no entanto, como invalidar as dúvidas sobre a evolução do Refis - justificadíssimas pela experiência dos programas desse tipo, sempre bem recebidos pelos devedores do Tesouro e sempre com resultados abaixo de medíocres. De fato, um dos efeitos mais notáveis dos vários Refis tem sido o estímulo à sonegação. Se é quase certo um novo refinanciamento das dívidas fiscais, atrasar o recolhimento de impostos e contribuições pode ser um negócio tão bom quanto seguro.
Mesmo com o dinheiro extra, o governo central só continua comprometido com "sua parte" (R$ 73 bilhões) do superávit primário. A meta geral foi reduzida mais de uma vez em 2013. Além disso, o governo federal conseguiu desobrigar-se de compensar o mau desempenho de Estados, municípios e estatais. Poderá até fazê-lo em parte, mas sem obrigação.
Com os números federais turbinados, o resultado geral do setor público foi um superávit primário de R$ 29,7 bilhões, o maior para o mês na série iniciada em 2001, segundo o Banco Central. O acumulado no ano ficou em R$ 80,9 bilhões, abaixo do contabilizado em igual período de 2012 (R$ 82,7 bilhões). O realizado em 12 meses totalizou R$ 103,2 bilhões, 2,17% do Produto Interno Bruto. Nos 12 meses até outubro a relação havia ficado em 1,44%.
O pulo de um mês para outro mostra o poder quase milagroso de uma arrecadação excepcional. Não muda, no entanto, a avaliação da política: continuou a gastança e os incentivos fiscais ao crescimento fracassaram e quase só resultaram em perdas para o Tesouro.
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