O GLOBO - 20/10
Trabalho preventivo é crucial para traçar estratégias de combate a grupos que pregam a violência, neutralizá-los e instruir bem inquéritos nos casos de prisão
As multidões que saíram as ruas em junho não tinham uma pauta fechada. Mobilizados a partir de uma luta contra o aumento de tarifas de transporte coletivo, os manifestantes acabaram incorporando às passeatas palavras de ordem que mostravam o descontentamento contra uma série de problemas na Educação, Saúde e na infraestrutura em geral. Previsivelmente, cada grupo puxou o tom dos protestos para sua plataforma. O ronco não foi unânime nas reivindicações, mas em torno do movimento houve um consenso: a condenação à violência e ao vandalismo nos protestos.
Não por acaso, as manifestações começaram a refluir à medida que grupos, hospedando-se nos protestos, passaram a trocar o grito pacífico por ações não só de enfrentamento do aparato de segurança, imprescindível para preservar o respeito aos limites da lei, mas principalmente de vandalismo. Ultrapassou-se, portanto, a fronteira em cujos espaços as passeatas representavam legítimos movimentos de indignação ou mesmo de reivindicações específicas de categorias de trabalhadores.
Black blocs e semelhantes não são um fenômeno novo no planeta. Suas táticas surgiram como uma alternativa à ortodoxia da chamada esquerda europeia, no início dos anos 80. Chegaram ao apogeu midiático em Seattle, em 1999, quando manifestantes com máscaras negras, em protesto contra a OMC (Organização Mundial do Comércio), ilustraram as primeiras páginas de jornais de todo o mundo. A democracia convive com este tipo de ameaça, desde que o Estado acione os dispositivos que a lei lhe concede para defender a segurança e o patrimônio públicos e privados.
Agora em evidência no Brasil, eles atuam no vácuo de uma expertise de repressão que as autoridades de segurança ainda não conseguiram desenvolver. É urgente que o façam. Rio e São Paulo, onde se concentram as ações de vandalismo, parecem estar indo por esse caminho, mas ainda precisam aperfeiçoar os protocolos de segurança contra tais atos. A punição, consequência lógica para quem transgride os limites da cidadania, é uma das pontas da defesa do Estado. A prisão de pessoas envolvidas em atos de vandalismo está dentro dessa perspectiva.
Na outra ponta, a da prevenção, o poder público ainda reage com tibieza. Ações de inteligência e investigação são fundamentais para traçar antecipadamente estratégias de combate ao vandalismo e neutralizar a ação dos grupos. Também são cruciais para instruir de forma eficiente inquéritos no caso de prisão de desordeiros (não por acaso, a Justiça do Rio mandou soltar os 64 detidos no quebra-quebra de terça-feira, por achar infundadas as acusações).
A isso deve-se juntar uma força-tarefa, com Justiça e MP atuando em conjunto com a polícia, à semelhança do bem-sucedido protocolo nas ações de segurança contra o crime organizado no Rio. A democracia pressupõe respeito à manifestação do contrário, desde que dentro dos limites do estado de direito. Ultrapassada essa fronteira, a reação do Estado precisa ser firme e eficiente, sem contemporização com a violência e a baderna.
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