O presidente eleito do Paraguai, Horacio Cartes, age com coerência ao afirmar que seu país não retornará ao bloco enquanto a presidência estiver com a Venezuela, cuja entrada ocorreu à revelia de Assunção
No dia 15 de agosto, com a posse do novo presidente paraguaio, Horacio Cartes, o Paraguai estaria liberado para retornar ao Mercosul, do qual foi injustamente suspenso em junho de 2012, após o impeachment relâmpago de Fernando Lugo. Mas Cartes já avisou que não aceitará participar do teatrinho bolivariano que seus colegas de bloco lhe armaram – afinal, a presidência do Mercosul está justamente nas mãos da Venezuela, a cuja entrada Assunção sempre se opôs. Só no fim do ano, quando os venezuelanos passarem o bastão adiante, o Paraguai deverá “pensar no caso” e anunciar se volta para ficar.
Vale a pena recordar a história da suspensão paraguaia. Lugo foi deposto em um processo que, apesar de sua extrema e questionável velocidade, não desrespeitou a mal redigida Constituição paraguaia. Em um primeiro momento, o próprio Lugo disse submeter-se à decisão dos senadores, apesar de discordar do veredicto; só quando sentiu o apoio de colegas sul-americanos – como a argentina Cristina Kirchner, o equatoriano Rafael Correa, o boliviano Evo Morales e o falecido Hugo Chávez, caudilho venezuelano –, o ex-bispo resolveu endurecer e formar um “governo paralelo”.
No fim de junho de 2012, alegando que o Paraguai havia descumprido a cláusula democrática do Mercosul, os presidentes Dilma Rousseff, Cristina Kirchner e José Mujica suspenderam o Paraguai. Na mesma reunião, foi aprovado o ingresso dos venezuelanos no bloco, uma decisão absurda por vários motivos. O primeiro é o fato de a Venezuela estar muito longe de ser uma nação democrática – não o era na época de Chávez, e continua não o sendo sob Nicolás Maduro. A decisão dos presidentes de Brasil, Argentina e Uruguai mostrou que o Protocolo sobre Compromisso Democrático tem aplicação seletiva, sendo ignorado quando se trata de afagar parceiros ideológicos. Além disso, as regras do Mercosul exigem a concordância de todos os membros quando se trata de aceitar a entrada de um novo país. O Paraguai estava suspenso, mas não excluído do bloco, e portanto precisaria ser ouvido, o que não ocorreu, lançando dúvidas sobre a própria legalidade do ingresso da Venezuela. É o que afirmou Cartes em seu comunicado, alegando que a entrada dos venezuelanos não ocorreu “de acordo com as normas legais”. “O mero transcurso do tempo ou decisões políticas posteriores não restabelecem, por si, o império do Direito”, acrescentou.
A presidência do Mercosul é rotativa, exercida por períodos de seis meses. O Paraguai deveria ter assumido a função no primeiro semestre de 2013, mas, como estava suspenso, a presidência passou ao Uruguai, que a transmitiu à Venezuela no último dia 12. Isso significa que a “reintegração” do Paraguai ocorreria justamente sob a liderança do país cuja própria presença no Mercosul os paraguaios questionam. Não surpreende, portanto, a negativa de Cartes.
Esse período ainda vai servir para os paraguaios repensarem a conveniência de estar no Mercosul, um bloco que deveria estimular o comércio comum entre seus membros, mas que ultimamente vem observando uma escalada protecionista, especialmente por parte da Argentina. Curiosamente, as exportações paraguaias aos ex-parceiros no primeiro semestre de 2013 subiram 40% em relação ao mesmo período de 2012. E o país já é membro observador da Aliança do Pacífico, um novo bloco formado por Colômbia, Peru, México e Chile (os dois últimos são as únicas nações latino-americanas a fazer parte da OCDE, conhecida como o “clube dos países desenvolvidos”) e que também conta com Estados Unidos, Canadá, Austrália, França, Espanha, Portugal e China entre os observadores. Se a Aliança efetivamente decolar como promotor do comércio internacional entre esses países, o Paraguai certamente verá mais vantagens em subir nesse novo barco que em permanecer amarrado a um bloco que hoje parece mais ideológico que econômico.
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