FOLHA DE SP - 19/01
Dois músicos praticamente da mesma geração, mas com destinos cruelmente opostos
Um trabalhava nas madrugadas como frentista, era anoréxico, tornou-se músico sem estudo formal, virou ídolo (pelo menos de outros músicos), tem horror ao mundo corporativo das gravadoras e, agora, afundado em dívidas, precisou pedir dinheiro aos fãs pela internet para pagar o aluguel atrasado.
O outro tem origem de classe média, cresceu saudável, frequentou faculdade de música, criou um selo próprio para lançar o primeiro disco, sempre fez tudo sozinho, ganhou um Oscar e hoje mora em uma mansão envidraçada nas montanhas de Los Angeles.
O primeiro é o inglês Vini Reilly, 59, líder e guitarrista da banda Durutti Column (não se sinta ignorante se não conhecer -99,9999% da humanidade estão no mesmo barco). Seus discos, sem exceção cultuados por especialistas de todo o mundo, sempre venderam muito pouco.
O segundo, quem viu a entrega do Oscar 2012 talvez se lembre, é o americano Trent Reznor, 47, líder da banda Nine Inch Nails e autor da trilha sonora de "A Rede Social", pela qual foi premiado pela Academia. Sucesso de crítica e público (pelo menos no mundo do rock alternativo), já vendeu 16 milhões de CDs.
São praticamente da mesma geração, mas tiveram destinos cruelmente opostos.
Vini é filho do pós-Guerra. Como tantos de seus contemporâneos e conterrâneos do rock, não frequentou "art school", aprendeu nas ruas o muito que sabe.
Trent, não se pode dizer que tenha sido criado a pera com leite, mas, em comparação à dureza da infância e adolescência de Reilly, é um perfeito filhinho de papai.
O som de Vini Reilly, primordialmente um guitarrista, costuma ser chamado de pós-punk. Mas essa é só uma definição cronológica. Musicalmente, ele não tem nada a ver com as outras bandas desse período. Durutti Column incorpora os violões do flamenco, alguns climas de jazz e de música ambiente. É um esforço e tanto chamá-lo de rock.
Sobre a música de Trent Reznor e seu Nine Inch Nails, não há dúvida. É rock, da vertente industrial. Violento, confessional e fortemente baseado em sintetizadores. Vi o grupo em início de carreira, nos EUA, em março de 1990. Os músicos trocavam socos entre si e tratavam a plateia a golpes de correntes e cusparadas de cerveja.
Ambos, Vini Reilly e Trent Reznor, são absurdamente talentosos. Topei com os dois, metaforicamente, no começo do ano.
Com Trent, em um perfil publicado na revista "New Yorker" de 17/12/2012. Com Vini, lendo, nos primeiros dias de 2013, o blog de música do diário inglês "Guardian".
A reportagem da "New Yorker", assinada por Alec Wilkinson, faz uma radiografia detalhada de Reznor. Mostra que ele foi o primeiro a introduzir melodia na aspereza do rock industrial. E que também foi pioneiro nesse gênero ao atuar como "frontman", face pública de uma banda. Até então, o rock industrial, de origem europeia e com forte influência marxista, rejeitava o individualismo.
O post do "Guardian" sobre Vini Reilly era tristeza pura. Relatava como um sobrinho do músico, para o tio não ser despejado, entrou no site oficial da banda pedindo doações. A mobilização foi imediata.
Em poucas horas, o sobrinho voltou a fazer contato, dizendo que já tinham arrecadado R$ 9,5 mil e não era preciso mais mandar dinheiro.
A história de Reznor é tumultuada, principalmente pelos problemas que teve com cocaína e heroína. Mas é uma história de showbizz, como tantas que se conhecem nesse meio.
Já a de Reilly é absolutamente incomum. Para começar, ele não conseguia aceitar a ideia de ter seu trabalho em lançamento comercial.
Quando um dia foi visitar a sede da gravadora Factory e viu seu primeiro álbum sendo embalado (por ninguém menos que o pessoal do Joy Division, que era do mesmo selo e dava uma força ao amigo), saiu correndo de pavor.
Também era, e é, dono de uma autocrítica incapacitante. Considera todos os seus álbuns -com exceção de "Keep Breathing", de 2006- fracassos musicais.
Reznor esbanja vigor físico. Reilly se recupera de três acidentes vasculares cerebrais nos últimos dois anos. O americano enxergou um caminho relativamente suave em meio a um gênero musical essencialmente abrasivo.
Ironicamente, o inglês, de matriz musical mais plácida, mergulhou em abismos que ele próprio criou.
Trent Reznor se vira sozinho. Torçamos por Vini Reilly.
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