O GLOBO - 14/08
O Brasil está assumindo a presidência do Mercosul no momento mais delicado do grupo nos últimos 21 anos. A crise deflagrada em Mendoza, na Argentina, com a suspensão do Paraguai e a inclusão da Venezuela, terá profundas consequências sobre o funcionamento do Mercosul nos próximos anos, cabendo ao Brasil administrar até dezembro os primeiros meses dessa situação inédita.
Os desafios e incertezas colocados pela ausência do Paraguai e pela presença da Venezuela com direito a voto darão à presidência do Brasil uma característica especial e bem distinta das exercidas até aqui.
No tocante aos temas econômicos e comerciais, herdados de reuniões anteriores, dificilmente as conversações poderão ser concluídas. O reinício das negociações com a Venezuela sobre a definição dos compromissos assumidos no Protocolo de Adesão terá prioridade.
Foi constituído um grupo de trabalho com a Venezuela que deverá concluir a definição dos prazos para a entrada em vigor da Tarifa Externa Comum, para a liberalização do comércio com os parceiros do Mercosul, para a incorporação dos regulamentos e normas aprovados pelo Mercosul ao ordenamento jurídico da Venezuela, e a aprovação dos acordos comerciais firmados pelo Mercosul com Israel, Egito e Autoridade Palestina. O Brasil terá que coordenar, durante sua presidência, o ingresso de novo membro, visto que o Equador, convidado, já aceitou.
A agenda externa do grupo em sua nova composição - acordo com a União Europeia e Canadá e a oferta da China de se fazer um estudo de viabilidade sobre um eventual acordo de livre comércio com o Mercosul - também deverá ser examinada, com poucas possibilidades de avanços pelas barreiras protecionistas argentinas e pelas dificuldades da indústria brasileira.O Mercosul entra decididamente em nova fase. Os temas políticos e sociais certamente serão ampliados (Pacto Social, Cidadania, nova composição do Parlamento).
Menor país do Mercosul, o mais pobre, e extremamente dependente da economia brasileira, o Paraguai não tem alternativa e não deverá abandonar o Mercosul. Ameaças como o rompimento do Tratado de Itaipu, que prevê a cessão da parte não utilizada dos 50% da energia que cabe ao Paraguai, não devem prosperar. Além de o Paraguai não ter a quem vender essa energia, o Brasil poderia reagir vigorosamente por ser um assunto de segurança nacional, visto que 20% da energia são consumidos no Sul e no Sudeste do país.
O Congresso paraguaio, se rejeitar a entrada de Chávez, estará criando uma situação que levará o país ao confronto com a Venezuela e demais membros do Mercosul. O entendimento do governo brasileiro é de que Assunção não poderá questionar as decisões tomadas pelo bloco no período de suspensão, em especial a adesão da Venezuela. Dificilmente o governo de Assunção terá condições de levar a cabo essas bravatas nacionalistas, mais para consumo interno do que com intenção de criar uma crise com seus principais vizinhos.
O grande problema para o Brasil - agora na presidência do Mercosul e no futuro - será administrar as frustrações e os ressentimentos do pequeno Paraguai.
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