O ESTADÃO - 25/04/12
As contas externas vão piorar neste ano e o déficit em conta corrente aumentará de US$ 52,5 bilhões para US$ 68 bilhões, passando de 2,1% para 2,6% do Produto Interno Bruto (PIB), segundo o Banco Central (BC).As novas projeções estão no relatório de março do setor externo, divulgado nesta terça-feira. Parece haver uma séria diferença de percepção entre o pessoal do BCe o do Ministério da Fazenda, quando se trata de balanço de pagamentos e, muito especialmente, das condições de competição comercial.
No cenário divulgado pelo banco, a pior evolução será a do comércio de mercadorias. O superávit cairá 29,5%, de US$ 29,8 bilhões para US$ 21 bilhões.O buraco na conta de serviços e rendas aumentará 7,5%, com variação de US$ 6,4 bilhões.
Dois pontos chamam a atenção.A conta corrente melhorou um pouco de fevereiro para março, mas, ainda assim, o pessoal do BC manteve, de modo geral, as estimativas para o ano. Em segundo lugar, a evolução da conta de serviços e rendas é bem menos desfavorável que a da conta de mercadorias. A depreciação cambial deverá frear a expansão dos gastos com viagens (aumento de apenas 5,4%) e manterá praticamente constante a remessa de lucros e dividendos,mas pouco ajudará os exportadores brasileiros. O valor embarcado deverá crescer apenas 4,7%, de US$ 256 bilhões para US$268 bilhões.Mas o valor importado aumentará 9,2%, de US$ 226,2 bilhões para US$ 247 bilhões. Uma certa acomodação dos preços das matérias-primas exportadas, ainda incluída nas contas do BC, pesará com certeza nos resultados da exportação. Mas o fraco desempenho comercial da indústria, é razoável supor, também deve ter sido levado em conta nas projeções de receita e despesa.
O problema cambial, hoje muito menos grave do que há um ano, explica apenas parte das dificuldades comerciais.O pessoal do Ministério da Fazenda sabe disso, mas insiste em atribuir um peso decisivo a esse fator. Segundo a edição de março e abril do relatório Economia Brasileira em Perspectiva, divulgado ontem, as exportações brasileiras de manufaturados vêm sendo prejudicadas pela ação "anticompetitiva" e pelas políticas monetárias dos países mais desenvolvidos. É uma referência ao "tsunami monetário" denunciado no Brasil e no exterior pela presidente Dilma Rousseff. Essa inundação de moeda estrangeira provoca a valorização do real e de outras moedas.É a guerra cambial apontada pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega. Isso explica, segundo o relatório, por que o superávit de US$ 8 bilhões do setor manufatureiro em 2005 se converteu num déficit de US$ 92 bilhões no ano passado. Para contrabalançar essa tendência, o governo, recorda o relatório, tomou certas medidas, incluído o Plano Brasil Maior.Algumas páginas antes, o documento menciona também as ações para conter o ingresso de capitais.
Curiosamente,os autores do trabalho só se referem ao problema cambial, quando se trata de explicar a perda de competitividade do setor industrial, mas acabam enxertando uma referência ao Plano Brasil Maior como solução para o problema. No texto, pelo menos, essa conexão é um tanto frouxa, mas esse é o ponto menos importante. O plano, de acordo com o documento,foi lançado para compensar os efeitos da valorização cambial e promover o emprego, a produção local e a inovação tecnológica. Na prática, a política industrial tem sido pouco mais que uma improvisada mistura de protecionismo, de estímulos localizados e de muita confusão. Beneficiários potenciais dos incentivos têm tido problemas para descobrir como usar as facilidades tributárias, porque as regras são obscuras e de aplicação muito difícil. A nomenclatura comercial usada impede a clara identificação dos produtos cobertos pelos incentivos. Além disso, as empresas podem receber benefícios para determinadas linhas, mas não para outras.Finalmente, algumas vantagens devem ser proporcionais à parcelada produção destinada ao comércio exterior. Não há nenhuma tentativa clara e eficaz de reduzir e racionalizar a tributação, nem de tornar mais eficiente o investimento em infraestrutura, nem de promover um novo regime de cooperação entre setor público e setor privado para pesquisa e inovação.O Plano Brasil Maior é apenas mais uma coleção de remendos de baixa qualidade apresentada com muita retórica.
Na falta de algo melhor para mostrar, o governo deve continuar esbravejando contra o tsunami monetário e criando estímulos para a expansão da demanda - especialmente de consumo -, como se o grande problema da indústria fosse a fraqueza do mercado interno. É mais fácil estimular os consumidores a ir às compras do que cuidar da capacidade de oferta competitiva da indústria.Os produtores estrangeiros agradecem. Isso poderia ser uma nota de rodapé para as projeções do BC.
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