domingo, janeiro 01, 2012

Inflação ou crescimento - temos de escolher? - ZEINA LATIF e MARCELO GAZZANO


O Estado de S.Paulo - 01/01/12


A observação do comportamento alheio muitas vezes nos ajuda a aprimorar o autoconhecimento. Assim como na vida, na Economia a comparação de nossa experiência com a de outros países pode dar dicas de nossos defeitos e virtudes. Ainda que a análise de nossa evolução no tempo traga contribuições, ela pode também conter vícios que nos levam a subestimar fragilidades e erros de decisão pelo simples fato de estarmos hoje melhor do que no passado, camuflando uma possível posição inferior aos nossos pares.

Foi com essa perspectiva que realizamos uma análise comparativa de Brasil, Chile e México para avaliar o desempenho recente dessas economias à luz do contágio da crise europeia. Trata-se de uma análise de curto prazo, sem a pretensão de conclusões sobre os diferentes potenciais de crescimento dos países.

O Chile é uma pequena economia aberta e é, na América Latina, uma referência de arranjos macroeconômico e institucional sólidos. O México também conta com um arranjo macroeconômico estável, mas caracterizado por menor manipulação das políticas macros, enquanto enfrenta fragilidades institucionais, principalmente relacionadas ao narcotráfico, que limitam significativamente o potencial de crescimento do país. Deste ponto de vista, pode-se simplificar a posição do Brasil como sendo intermediária no que se refere a limitações institucionais ao crescimento.

Indicadores econômicos recentes mostram que a desaceleração na economia brasileira tem sido mais acentuada. Enquanto o Produto Interno Bruto (PIB) do terceiro trimestre de 2011 ficou estável no Brasil em relação ao trimestre anterior (2,1% na comparação anual), o México cresceu 1,3% (4,5% anual) e o Chile cresceu 0,7% (4,8% anual). Parte dessa diferença decorre das políticas macroeconômicas menos expansionistas ou até contracionistas no primeiro semestre, incluindo as medidas macroprudenciais.

No caso do México, a resiliência da economia americana ajuda a explicar o desempenho superior, notadamente na indústria, que tem laços comerciais estreitos com os Estados Unidos. A falta de investimentos na extração de petróleo tem sido causa de quedas de produção nos últimos anos, retirando dinamismo na economia. Já o Chile tem sido ainda beneficiado pela reconstrução pós terremoto-tsunami ocorrido em março de 2010.

Tentamos isolar os efeitos da política macro por meio de uma regressão que explique o comportamento do PIB mensal dos países: pela taxa de juros em termos reais deflacionada, pela expectativa inflacionária e pelos gastos públicos. Incluímos também a taxa real efetiva de câmbio com relação à cesta de moedas dos parceiros de comércio e que leva em conta o crescimento mundial. Com base nesse modelo fizemos estimativas "fora da amostra", concentrando-nos em 2011, e comparamos as estimativas aos valores efetivos para aferir os desempenhos.

O resultado é que o crescimento do PIB brasileiro estava 2,1 pontos porcentuais (p.p.) abaixo do projetado até o terceiro trimestre de 2011, enquanto no México o valor foi 1,7 p.p. abaixo, o que na nossa avaliação pode ser fruto da fraca performance da extração de petróleo, que hoje representa 7,5% do PIB, ante 10% em 2008. O Chile, por sua vez, superou as expectativas em 0,7 p.p.

Ainda que as limitações do exercício recomendem cautela, a indicação é de que o Brasil foi mais afetado pelo contágio da crise externa, refletindo-se nas sucessivas revisões para baixo das expectativas de crescimento do PIB vis-à-vis a maior resistência das expectativas para Chile e México.

Qual é a razão para isso? Considerando que distorções microeconômicas e brechas do nosso arcabouço institucional seriam mais relevantes para explicar o diferencial de potencial de crescimento das economias, e não seu desempenho de curto prazo, partimos para a análise de variáveis macroeconômicas. Tendo em vista o quadro de relativa estabilidade da produção manufatureira desde aproximadamente abril de 2010, a despeito do robusto crescimento da demanda interna, a pista seria identificar a razão da corrosão da competitividade de nossa indústria. Isso se traduz não apenas em crescimento débil de exportações, que não acompanharam o ritmo do comércio mundial, mas também em aumento da penetração dos importados. A taxa de câmbio e os salários são candidatos naturais para investigação.

No Brasil o custo unitário do trabalho da indústria de transformação, medido pelo custo total da mão de obra vis-à-vis a produção, cresceu em ritmo acelerado nos últimos anos. O Chile não ficou atrás, mas no México ocorreu retração dessas variáveis. No Brasil os salários reais da indústria subiram de forma acentuada, como reflexo do aquecimento do mercado de trabalho, reduzindo sobremaneira a competitividade do setor, estando 10% acima do patamar anterior à crise global.

O câmbio também pesa, se bem que neste caso, ainda que explique o desempenho da indústria, não explica a decepção com os resultados de crescimento recente do PIB, uma vez que a variável foi incluída no modelo de projeção. No Brasil, a sobrevalorização cambial em agosto de 2011 estava em 33%, em relação à taxa média desde 2000, e, tomando como referência a taxa real efetiva de câmbio, também tem seu peso. O Chile sofreu apreciação cambial nominal comparável ao Brasil, de 30% entre janeiro de 2000 e agosto de 2011, mas, por causa da baixa inflação, a taxa real efetiva de câmbio encontra-se próxima ao patamar médio desde 2000. O México não foi penalizado pelo câmbio, pois o peso mexicano se manteve depreciado em relação ao seu nível médio dos últimos anos, mesmo em termos nominais.

Dessa forma, pode-se afirmar que, de fato, a aceleração da inflação e o sobreaquecimento do mercado de trabalho penalizaram a indústria, o que enfraquece sobremaneira a ideia de um trade-off entre crescimento e inflação, mesmo de curto prazo.

Finalizando, em que pese a natural preocupação de um quadro mais perverso no exterior, com a crise europeia ganhando contornos de uma crise mundial, e de uma desaceleração mais clara da China, é importante que o governo aceite o crescimento mais modesto da demanda interna. Esse crescimento mais modesto teria de se manifestar no consumo das famílias e na própria geração modesta de postos de trabalho, pois este quadro propiciará um recuo mais rápido da inflação à meta de 4,5%, o que será bastante benéfico para aumentar a competitividade da indústria, o que por sua vez é remédio potente para estimular investimentos.

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