quinta-feira, dezembro 29, 2011

A classe média chegou - KÁTIA ABREU

CORREIO BRAZILIENSE - 29/12/11

Merecem solfejo de samba-exaltação (como Jamelão cantou a Mangueira, puxando o coro que o país canta desde o carnaval de 1956, "Chegou ô ô ô ô/ a Mangueira chegou ô ô") as revelações sobre a classe média brasileira contidas na Pesquisa CNA/Ipespe realizada em outubro. Elas indicam que 55% dos brasileiros, longe de alcançar o paraíso, chegaram à praia, já não são náufragos esfomeados e desesperados, mas cidadãos que pisam o chão, consomem e veem abrir-se diante deles o fator preliminar da busca da felicidade, a esperança. 
Infelizmente, não há motivos para celebrações ufanistas. Pelo contrário, o marco estatístico dessa alavancagem demográfica da classe C (homens e mulheres com renda familiar entre R$ 1.200 e R$ 5.200, segundo critérios de renda da FGV) atinge 55% da população e envolve um conjunto de carências e contradições verdadeiramente desafiadoras. 
As vozes da classe média consideram — 74% contra apenas 10% — que o aumento de oportunidades de emprego é mais importante que a ampliação de programas sociais, como o Bolsa Família, do qual muitos são egressos. Tal percepção, na contramão do que é aceito como truísmo no marketing político dos candidatos, mostra que o apelo populista e até as formas mais respeitáveis de assistencialismo não superam a racionalidade dominante na classe C, que não quer favores, prefere salários; busca prioritariamente âncoras de estabilidade para a família — a casa própria, preocupação de 81%, e serviços públicos de qualidade, especialmente saúde e educação. 
Mesmo tendo tomado a iniciativa da pesquisa da CNA (é fundamental para a agropecuária identificar a participação da nova classe média nos 70% de alimentos que produzimos e são consumidos internamente), confesso que me impressionei com a originalidade e precisão das revelações. Como o posicionamento ideológico da classe média majoritariamente centro-direita (49%), contra apenas 18% de esquerda. 
Perguntados sobre quais desafios deverão ser enfrentados prioritariamente no país, responderam com o trinômio "manter a estabilidade", "gerar empregos" e "diminuir impostos", uma agenda conservadora e liberal. As opções não são disparatadas, mas coerentes com outras agendas. 
Anotei como indicador importante — pelo que reflete em matéria de indignação com a realidade brasileira — que 81% da classe C defendem a diminuição da maioridade penal de 18 para 16 anos, 60% o estabelecimento da pena de morte para assassinos e 46% a pena de morte para assaltantes. Contra a liberação da maconha, 85%, e 69% a favor do desarmamento, desmentindo o revelado no último plebiscito sobre o assunto. Para quem busca identificar a agenda popular para uma versão brasileira do movimento "Indignai-vos", que irrompeu na Europa em 2011, está aí um repertório no mínino inquietante. 
Pinçados do conjunto da pesquisa, temos um painel provocativo, que cresce ainda mais de curiosidade em função da grande novidade do trabalho: subdividir essa espantosa massa de 55% dos brasileiros da classe média em três clusters, que seriam a classe C tradicional, com 41%; a nova classe C mais, com 39%, e a nova classe C menos, com 20%. E cada uma delas tem nuances específicas, que permitem compreender a origem do humor dominante no grupo. 
Rabisquei intensamente o meu exemplar da pesquisa e, ao consultá-lo agora, vejo que registrei preocupação especial com a questão que interessa substancialmente à agropecuária. A ascensão da classe média brasileira revela que se agravou a diferença entre as populações urbanas e rurais, pois 84% da classe C estão nos grandes centros urbanos e apenas 12% nas áreas rurais. Admitindo-se que 30% do PIB brasileiro são gerados no campo, urge a mobilização que a CNA lidera por maior apoio ao pequeno e médio produtor rural. 
Nada, porém, em toda a pesquisa — são 58 páginas — do que duas constatações objetivas. A primeira é a mobilidade positiva declarada pelo entrevistado: nos últimos 10 anos, 42% da classe C melhoraram de vida, enquanto 51% ficaram onde estavam e apenas 6% tiveram queda. A segunda é que absolutamente nada é mais forte nos três grupos da classe C brasileira do que o sentimento da esperança. Uns mais confiantes, outros menos, mas todos com olhos no futuro. E todos nós sabemos, como o poeta, "quem espera sempre alcança".

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