Um 2008 em câmera lenta
JOSÉ PAULO KUPFER
O Estado de S.Paulo - 15/11/11
O que será que o Banco Central sabe e mais ninguém sabe? Difícil uma resposta completa, mas tudo indica que seus radares estão vislumbrando um esfriamento da economia muito mais intenso do que as análises do mercado financeiro parecem captar.
Sinais de que o BC prevê um recuo significativo na evolução do PIB têm se acumulado desde que seu Comitê de Política Monetária (Copom) surpreendeu a praça com o início de um ciclo de corte na taxa básica de juros. Mas será que alguém no mercado imaginava riscos de esfriamento de tal monta que já justificassem um alívio nas restrições ao crédito impostas em fins do ano passado?
Adotadas no início da noite de sexta-feira, as medidas de alívio nas condições de fornecimento do crédito consignado, para veículos, ao consumidor e via cartão de crédito só não surpreenderam mais porque foram divulgadas em horário fora do expediente e na véspera de um feriadão. Mas não deixaram de produzir interrogações, visto que vieram num momento em que o ritmo de concessão de crédito ainda resiste em níveis acima dos declaradamente desejados pelo BC.
Mais do que isso, a reversão das restrições no crédito veio quando a demanda - medida pela atividade do comércio varejista e outros serviços - mantinha-se acima do que muitos consideram aceitável para que o BC continuasse a cortar os juros básicos, sem riscos para o controle da inflação. E mais ainda: quando já se sabe que a demanda será impulsionada, logo na virada de 2012, com um aumento de 14% no salário mínimo.
A mensagem do alívio nas restrições ao crédito, por tudo isso, é óbvia e nada otimista. Se o início do ciclo de corte dos juros já indicava temor de que a crise global contaminasse a economia doméstica, a iniciativa de sexta-feira revela que, nas telas do serviço meteorológico do BC, o céu aparece ainda mais carregado de nuvens.
Essa sensação de piora dos indicadores de crescimento ganhará base numérica com a divulgação, prevista para amanhã, do IBC-Br - indicador antecedente do PIB calculado mensalmente pelo BC -, para o mês de setembro e, portanto, do terceiro trimestre deste ano. As projeções dos departamentos de pesquisas de bancos e consultorias sinalizam um crescimento em torno de zero no período julho-setembro, com estimativas variando num intervalo anualizado de -0,7% a 0,3%. O IBC-Br reforçará essas projeções.
Quem se lembra de que, no primeiro trimestre, o crescimento anualizado do PIB foi de 4,3%, caindo para 2,2%, no segundo trimestre, não tem dúvida de que a freada vem vindo aos poucos, mas é das fortes. Segundo uma média de estimativas, o padrão não mudará no último trimestre do ano, com o detalhe de que as condições de contenção do crescimento tenderão a vazar para o primeiro trimestre - e talvez para todo o primeiro semestre - de 2012.
Quando a crise global, sobretudo a sua face europeia, ainda não tinha revelado as verdadeiras - e assustadoras - dimensões das quais hoje se tem clareza, convencionou-se que o contágio para o Brasil se daria pelo canal comercial (o das contas externas). Mas não só as travas econômicas na economia internacional estão se mostrando muito mais graves e profundas do que há alguns meses, como também o contágio está se dando primeiro pelos canais da confiança empresarial e, em parte como consequência disso, pelo crédito.
As sondagens conjunturais e de confiança já mostram o impacto das incertezas e impasses da economia global nas decisões de investimento - até mesmo para repor estoques. Tais decisões também já estão sofrendo os efeitos de restrições de crédito cada vez mais presentes.
Os prêmios recordes pagos pelos títulos dos países encalacrados da Europa contam a parte estridente e escancarada da história. Outra parte, menos visível, mas não menos atemorizante, evolui devagar e em silêncio na direção do muro. Basta observar a curva da Libor, a taxa de referência interbancária da praça de Londres. Ela tem subido, lenta, gradual e firmemente, indicando aversão a riscos entre bancos.
Não se está assistindo, é verdade, ao colapso abrupto e generalizado de crédito que se seguiu à quebra do Lehman Brothers, em setembro de 2008. Os operadores mais antenados, porém, já perceberam que a fase atual da crise global só difere da anterior no ritmo em que evolui. O crédito empoça nos bancos aos poucos, numa espécie de 2008 em câmera lenta, acompanhando o ritmo gradual de desaquecimento.
Uma má notícia é que o Brasil não está fora da regra. Como lá fora, o mercado de crédito tende a encolher tanto para bancos emprestadores como para pessoas e empresas tomadoras de crédito, alijando primeiro, claro, os menores dos dois lados.
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