Belezas em reserva
RUY CASTRO
FOLHA DE SÃO PAULO - 16/07/11
- Outro dia, em show no Rio, o trombonista Vittor Santos convidou a plateia -uma plêiade cascuda de fãs de bossa nova e samba-jazz- a identificar título e autor do tema instrumental que ele iria executar. Veio o tema, de melodia hipnótica e só vagamente familiar, que se desdobrou por dez minutos. Quando terminou, o músico esperou por um palpite. Não se ouviu um pio. Nem o meu.
Ninguém reconheceu o tema, "Acapulco", e muito menos seu compositor: João Gilberto. Quando Vittor o revelou, aí, sim, alguns de nós produzimos aquele cacarejo coletivo de quem liga o nome à figura. Mas ficou a sensação de que há muito não ouvimos direito o disco "João Gilberto en México", de 1971, em que a música foi apresentada originalmente. Talvez por "Acapulco" ser um vocalise de pouco mais que uma frase musical e de enganadora simplicidade -mas cheio de sutilezas harmônicas, que Vittor teve a bondade de explicar.
É possível que, nos 80 anos de João Gilberto, recém-feitos, esse lado de sua criatividade tenha sido menos destacado: o do compositor. E, no entanto, ele é o autor de títulos que marcaram a infância da bossa nova: o samba-baião "Bim Bom", o beguine "Hô-Ba-La-Lá" e o maroto "Um Abraço no Bonfá", este "adaptado" do choro "O Barbinha Branca", de Luiz Bonfá e Tom Jobim -que levaram a "adaptação" na esportiva.
Diante do papel de João Gilberto como fixador de um gênero cujos clássicos foram estabelecidos por ele, não espanta que algumas de suas próprias composições -o samba "Minha Saudade" (em parceria com João Donato), as valsas "Bebel" e "João Marcelo", o baião "Undiú", com suas letras inexistentes ou desnecessárias -tenham ficado na sombra. O próprio cantor raramente as inclui em seus shows.
Mas é típico da personalidade de João Gilberto, um autor manter tantas belezas em reserva.
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