Chafurdando
LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO
O GLOBO -14/07/11
Lembrei das palavras cruzadas do Times porque li que não adiantaram os cuidados tomados para que não saísse nada de malcriado ou subversivo na última edição do jornal News of the World, fechado pelo Murdoch em meio ao escândalo dos grampos e da fofocagem, com a demissão de mais de duzentos jornalistas. O medo era que alguém na redação ou na oficina conseguisse inserir na edição histórica alguma crítica ou gozação a Murdoch ou à ex-editora do News, Rebekah Brooks. A censura prévia foi feita e o jornal saiu – mas esqueceram de checar as palavras cruzadas, onde os dois foram sutilmente espinafrados (no espaço para um sinônimo de “Bruxa”, imagino, a palavra certa era “Rebekah”), tornando o último número ainda mais histórico. O contraste entre os tabloides sensacionalistas e os jornais “respeitáveis” da
Inglaterra é uma evidência, pode-se dizer escandalosa, de uma divisão social como talvez só exista igual na Índia das castas milenares. A elite inglesa hierarquiza seus diferentes graus de importância para que nunca se confunda um nobre, mesmo arruinado, com um rico sem título, ou os dois com um “comum”. Essa demarcação rígida dá
uma certa liberdade aos excluídos para, por assim dizer, chafurdarem (grande palavra) na sua condição de casta inferior. Já que nunca ultrapassarão a barreira que os separa da elite, enfatizam o contraste e atacam o que a elite tem de mais seu, que é o bom gosto e a hipocrisia. Os tabloides são armas na mal disfarçada luta de classes que tem sido a história da Inglaterra desde os primeiros barões.
Nenhum comentário:
Postar um comentário