O ajuste fiscal inflacionário
CRISTIANO ROMERO
VALOR ECONÔMICO -15/06/11
Ao privilegiar o aumento da arrecadação tributária em vez do corte de despesas, a política fiscal adotada pelo governo não contribuirá para o esforço anti-inflacionário em 2011. Na verdade, a elevação da carga tributária em 1,1 ponto percentual do Produto Interno Bruto (PIB), prevista pelo próprio governo, alimentará a inflação. A ênfase no incremento das receitas mostra, na prática, as autoridades mais interessadas em diminuir a dívida pública com proporção do PIB do que em ajudar a conter a escalada dos preços.Em 2010, o superávit primário das contas públicas (excluídos os gastos com juros e as receitas da capitalização da Petrobras) foi, no âmbito do governo federal, de 1,3% do PIB, o segundo menor desde 1999, quando o país adotou o atual tripé de política econômica - superávit, câmbio flutuante e metas para inflação. Em 2011, a meta é aumentar o superávit para 2% do PIB.
As receitas totais da União devem crescer, segundo estimativas oficiais, de 23% do PIB em 2010 para 24,1% do PIB este ano. As transferências a Estados e municípios devem saltar, por sua vez, de 3,8% para 4,1% do PIB. A previsão é que as despesas totais cresçam 0,1 ponto percentual do PIB no período. A consolidação fiscal será feita, portanto, por meio do aumento de receitas e não do corte de gastos.
Essa escolha, sustenta o economista-chefe do banco Credit Suisse, Nilson Teixeira, não ajuda o Banco Central (BC) a conter a inflação. O aumento da carga tributária reduz o nível de atividade e também a renda disponível das famílias. Num ambiente de baixa competitividade, a elevação de impostos tende a ser repassada, em grande medida, aos consumidores, pressionando a inflação. A resposta do BC a esse cenário é mais juros.
Se a opção do ajuste fosse pelo corte de despesas, também haveria um impacto negativo sobre o nível de atividade, uma vez que o menor consumo do governo diminuiria a demanda agregada. Pelo canal da demanda, portanto, o efeito sobre a inflação seria negativo. Diante disso, o BC operaria com menor necessidade de aumento da taxa de juros.
Como o governo optou pelo forte crescimento das receitas, por meio do reajuste de alíquotas de impostos como IOF e IPI, e pela quase estabilidade das despesas, o efeito do aumento da arrecadação na inflação será maior do que o de contenção dos gastos públicos. "Isso não decorre apenas da magnitude relativa da variação das receitas ser muito superior ao da variação das despesas. Esse resultado também é sugerido por uma ampla literatura empírica que aponta que os multiplicadores associados a variações na taxação, de modo geral, são muito maiores do que aqueles associados a variações nas despesas do governo para explicar a dinâmica da inflação, produto e taxa de juros", explica o economista do Credit Suisse.
Teixeira e sua equipe fizeram exercícios econométricos, a partir das variáveis econômicas e do ajuste fiscal, e constataram que a política fiscal contribuirá com 0,9 ponto percentual do IPCA em 2011. Trata-se, portanto, de um efeito distinto ao previsto pelo Banco Central em seus documentos - o BC não tornou públicas estimativas do impacto do ajuste fiscal na inflação, mas anunciou que, na sua estratégia anti-inflacionária, conta com o cumprimento da meta de superávit de 2,9% do PIB (2% do governo federal mais 0,9% de Estados e municípios).
"Nesse contexto, a taxa de crescimento do PIB no acumulado em 2011 será 0,4 ponto percentual menor que na ausência do ajuste fiscal projetado. Ao mesmo tempo, esperamos uma Selic, em média, 150 pontos básicos maior", diz Nilson Teixeira. Para ele, o governo deve promover no ano corrente o maior aumento de carga tributária dos últimos anos, fazendo com que a contribuição da política fiscal para o controle da inflação seja a mais desfavorável desde 2005.
Se tudo caminhar como o previsto, o esforço fiscal provocará redução de 0,7 ponto percentual do PIB na dívida pública líquida. O impacto da política fiscal sobre os indicadores da economia (inflação, PIB e taxa de juros) deve diminuir esse resultado, no entanto, para 0,4 p.p..
"Em um contexto de baixo risco de insolvência fiscal e de forte necessidade de controle da inflação, julgamos que o benefício dessa redução da dívida pública não supera o custo de um aumento da inflação em 0,9 p.p. no ano. Esse resultado reforça a avaliação de que a forma adequada de reduzir a magnitude do aperto monetário necessário para fazer a inflação convergir para o centro da meta em 2012 seria por meio de uma política fiscal com contração das despesas como proporção do PIB e não com aumento da carga tributária", sugere Teixeira.
O problema é que conter as despesas no próximo ano não será nada fácil. De saída, o salário mínimo terá reajuste de cerca de 14%, elevando despesas obrigatórias como benefícios previdenciários e assistenciais e o seguro-desemprego, itens que respondem por cerca de 45% do gasto corrente total. Além disso, o capital político para continuar represando demandas do funcionalismo por reajustes será cada vez menor.
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