quarta-feira, junho 08, 2011

ALMIR PAZZIANOTTO PINTO - Emenda Peluso e direito de defesa


Emenda Peluso e direito de defesa
ALMIR PAZZIANOTTO PINTO
O Estado de S.Paulo - 08/06/11

Em meio à polêmica desencadeada pelo projeto de novo Código de Processo Civil, o exmo. sr. presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro Cezar Peluso, sugere emenda à Constituição que visa a permitir a execução imediata e definitiva de decisões judiciais de segundo grau, mesmo pendentes de julgamento recurso especial no Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou extraordinário no STF.

Na hipótese de promulgação, as partes em litígio terão amputado o direito ao "contraditório e amplo direito de defesa, com os meios e recursos a ela inerentes", em nome da bandeira da celeridade desfraldada por Sua Excelência após assumir a presidência do STF. A morosidade jamais foi objeto de defesa. Imprensa, advogados, membros do Ministério Público, juízes, ministros dos tribunais superiores e do Supremo apregoam a necessidade de se imprimir rapidez aos processos. A dificuldade está na combinação da celeridade com o direito de defesa e em fazer que magistrados, desde o primeiro ao máximo grau, velem pela rapidez, a começar pelos respectivos gabinetes.

O Código de Processo Civil de 1939, obra magistral de Pedro Batista Martins, livrou o processo civil de minúcias legadas pelas Ordenações Filipinas. Foi substituído pelo código de 1973, elaborado pelo professor Alfredo Buzaid. Costuma-se dizer que o Código Buzaid foi escrito para advogados. Ainda que verdadeira, a afirmação não o desmereceria. Aos advogados, indispensáveis à administração da Justiça (Constituição da República, artigo 133), cabe a missão de expor a causa ao juiz, fundamentá-la e convencê-lo de que o bom direito é o do cliente.

A frondosa árvore do Judiciário cinde-se, grosso modo, em dois grandes ramos: o dos juízes e tribunais dos Estados e o dos juízes e tribunais federais. À esfera da Justiça Federal pertence a Justiça do Trabalho. Por princípio deve ser observado o duplo grau de jurisdição, encerrando-se na segunda instância o reexame de matéria fático-probatória.

Acima da Justiça dos Estados e dos Tribunais Regionais Federais paira o Superior Tribunal de Justiça, ao qual compete "julgar, em recurso especial, as causas decididas em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou tribunais dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, quando a decisão recorrida (...) der à lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal". Tal como sucede com o Tribunal Superior do Trabalho (TST), o STJ é Corte consagrada à uniformização da jurisprudência. Não lhe cabe debruçar-se sobre depoimentos pessoais, testemunhais e documentos para decidir sobre acerto ou erro em matéria fática. As responsabilidades são outras, entre elas, preservar o respeito à Constituição e à legislação federal e assegurar harmonia entre julgados conflitantes, originários de distintos Tribunais Regionais Federais, ou do Trabalho.

O Superior Tribunal de Justiça e o Tribunal Superior do Trabalho são compostos, respectivamente, por 33 e 27 ministros, os quais julgam divididos em turmas e seções especializadas. Disso se segue que o recurso especial e o de revista percorrem tramitação complexa dentro de uma única Corte, até serem julgados de maneira definitiva. Na realidade, não temos quatro instâncias, mas cinco e às vezes seis, e cada julgamento depende da maneira de proceder de cada ministro. Há os de estilo objetivo e direto, ao passo que outros consomem meses e anos em filigranas, desprezando o fator tempo.

À medida que as partes impulsionam a causa às instâncias superiores, os gargalos afunilam-se, os requisitos de admissibilidade tornam-se rigorosos, as chances de o vencido obter sucesso reduzem-se. O menor número de demandas no STJ, como no TST e no STF, resulta de obstáculos legais à interminável reapreciação do feito. O Relatório Geral da Justiça do Trabalho relativo a 2009, por exemplo, revela que, nesse ano, foram ajuizados 2.107.445 dissídios individuais e coletivos, dos quais cerca de 50% se encerraram mediante conciliação. Aos 24 Tribunais Regionais subiram 537.448 e ao TST, 157.335. Isso significa que aproximadamente 7% atingem a derradeira instância. A quantidade mais diminui quando pesquisamos os recursos extraordinários impetrados, no TST, ao Supremo: cerca de mil por mês ou 12 mil ao ano.

O provimento dos recursos pode ser considerado mínimo diante do volume representado pelos que conseguem galgar os degraus superiores da escada. Disso não se deve concluir que sejam inúteis ou revestidos de intuito meramente protelatório. Como antigo advogado e ex-juiz, sei que são frequentes as situações em que a correta qualificação jurídica do caso foi alcançada quando as esperanças se achavam quase perdidas.

Ao dispor sobre recursos, a Constituição federal não o fez para serem figuras decorativas. Teria sido mais apropriado e elegante se a Emenda Peluso propusesse diretamente, sem tergiversar, a revogação do inciso III do artigo 102 e a do inciso III do artigo 105, pois, de qualquer maneira, se promulgada, tornar-se-ão letra morta.

Se a "nenhum título será concedido efeito suspensivo aos recursos", causa-me certa perplexidade que se permita ao relator, "se for o caso", pedir preferência de julgamento. A medida talvez nunca venha a ser deferida àquele anônimo advogado do interior remoto, para quem Brasília é Olimpo inacessível.

Atribuir ao recurso especial e ao extraordinário a culpa pela morosidade, com todo o respeito, sugere isolamento do mundo real.

O Estado de S. Paulo está sob censura judicial há quase dois anos. A responsabilidade cabe à lei ou à morosidade do juiz que retém o processo?

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