Agora, O Comef
MIRIAM LEITÃO
O GLOBO - 19/05/11
O mercado de crédito está bombando. O problema é que quando bomba demais vira bolha e bolhas estouram. Os diretores do Banco Central não admitem que haja problemas. A cada parte da conversa, eles lembram o mantra que "o sistema é sólido." Anthero Meirelles, diretor de Fiscalização, e Luiz Awazu Pereira, diretor internacional, informaram, ontem, na entrevista à imprensa, e numa conversa que tive com eles depois, que o órgão estava sendo pensado há vários meses. Não vai inventar nada, vai apenas integrar áreas de fiscalização, supervisão bancária, informação sobre as instituições.- Queremos ver como os instrumentos podem funcionar melhor - afirma Luiz Pereira.
Ontem o "Financial Times" publicou uma reportagem sobre o Brasil falando em riscos de bolhas no sistema e citando as quebras de bancos menores e dedicados ao crédito, o PanAmericano e o Morada. Anthero nega qualquer relação entre os dois casos e a criação do Comef, e nega que haja problemas no sistema.
- Foram casos específicos e que continuam sendo casos isolados. Os bancos brasileiros estão capitalizados e sólidos, com padrões de provisionamento (dinheiro reservado para cobrir rombos) acima dos exigidos internacionalmente - diz Anthero Meirelles.
O Comef vai funcionar assim: vai integrar todas as áreas que cuidam de fiscalização e supervisão bancária; terá uma reunião normal a cada dois meses, podendo se reunir em caráter extraordinário quando necessário. Uma vez a cada seis meses divulgará relatório sobre a saúde do sistema bancário.
A pergunta que não quer calar é: pode acontecer aqui o que aconteceu com outros países, há risco de superendividamento das famílias brasileiras?
Os diretores dizem que não, mas admitem que tudo precisa ser monitorado, exatamente para evitar a impressão de que os tempos bons serão bons para sempre, como se achava nos EUA e Europa em 2005 e 2006.
- O nosso sistema em termos de exigência de capital é superior ao de Basileia (normas estabelecidas para o mundo inteiro pelo banco central dos bancos centrais). Nós prestamos muita atenção ao crescimento do crédito - diz Luiz Pereira.
Anthero explica que a reportagem do "Financial Times" trata o caso dos dois bancos como se fosse generalizado. O PanAmericano vendeu sua carteira de crédito, mas continuou registrando como ativo de sua instituição. Foi o BC que descobriu em fiscalização a contabilidade falsa. É bom lembrar no entanto que demorou a descobrir, tanto que parte do capital do banco quebrado tinha acabado de ser comprada por R$700 milhões pela Caixa Econômica. Segundo Anthero, esses casos de cessão de crédito - que é o do PanAmericano e de todos os bancos que venderam carteiras nas crises para se financiar - representam apenas 0,5% dos ativos totais do Sistema Financeiro Nacional.
- O erro da reportagem é passar a ideia de que esse tipo de operação de cessão de crédito tem alto volume, quando é pequeno. Além disso os bancos pequenos brasileiros estão com um índice de 24% de Basileia - explica Anthero, querendo dizer com isso que os bancos cumprem bem acima dos 11% exigidos pela regulação internacional.
Os diretores explicaram também que essa ideia de institucionalizar todo o setor de supervisão e fiscalização num comitê é uma forma de preparar o Brasil para o aumento da internacionalização. Bancos brasileiros atuarão cada vez mais fora do país, e outros grupos entrarão aqui. Existem hoje no Banco Central 20 pedidos de grandes grupos brasileiros ou estrangeiros para atuar no mercado brasileiro. Grupos coreanos, japoneses, chineses, americanos e europeus estão pedindo formalmente para se instalar no país.
O que deixa esses grupos interessados em participar do nosso mercado é o crescimento do número de correntistas e de tomadores de crédito; por outro lado, é aí também que há o perigo porque o crescimento do mercado de crédito foi muito rápido e no país do dinheiro mais caro do mundo há o risco do endividamento exagerado. Mais fiscalização, supervisão, boa regulação, informação sobre saúde financeira, mais educação financeira, tudo isso só pode ser bom.
O problema é que por mais que o BC negue há sinais de perigo no comprometimento da renda familiar, na falta de compreensão dos tomadores sobre o custo do dinheiro, nas taxas de juros exageradas cobradas das pessoas em algumas operações e, principalmente, de mudança na situação da economia.
Nesse último ponto, os diretores admitem que é uma preocupação do Banco Central: a reversão do ciclo. O dólar que está baixo há tempo demais pode sofrer uma elevação, como aconteceu em 2008, levando empresas à crise. Ou outras mudanças inesperadas como já aconteceram no passado.
Quem está cansado das siglas da economia terá que aprender mais uma: o Comef, Comitê de Estabilidade Financeira. Sua existência foi anunciada ontem por dois diretores do Banco Central e seu objetivo é aperfeiçoar o trabalho para evitar crise de crédito ou nos bancos brasileiros. Há 20 grupos estrangeiros e nacionais querendo abrir bancos no Brasil.
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