domingo, março 20, 2011

PAULO RABELLO DE CASTRO

Sobre os demônios que nos atormentam
PAULO RABELLO DE CASTRO

REVISTA ÉPOCA

Há no Museu do Prado, em Madri, uma pintura de São Miguel Arcanjo de espada em punho, dominando os demônios a sua volta e trazendo paz aos eleitos no Paraíso. Além de refletir uma força extraordinária, o quadro guarda um detalhe que escapa ao admirado visitante. É que a cena reflete o pleno domínio de São Miguel sobre demônios vivos, não mortos ou moribundos, mas arregalados e espantados pela autoridade moral do arcanjo-mor do Paraíso. É a vitória da não violência.
Os demônios da vida social brasileira precisam de uma espada de arcanjo em seus pescoços. O governo é um demônio a dominar e exorcizar, e isso está ficando muito claro até para o próprio governo. Terá a presidente Dilma essa dupla capacidade de, embora sendo governo, bancar o São Miguel que dominará os demônios da vida brasileira? Nossa aposta permanece positiva. Ao anunciar cortes de cerca de R$ 50 bilhões no orçamento federal de 2011, a presidente fez o gesto inicial de desembainhar a espada. Daí a enfrentar demônios, são mais outros 50 bilhões...
Temos aqui capetas para todos os gostos de filmes de terror. Na economia, convivemos há muito tempo com uma trinca dos diabos: a burocracia peluda, o desperdício de rabo longo e a tributação enlouquecida. São diabos asquerosos, todos eles a serviço da manutenção do poder abusivo do Estado sobre a vida normal dos brasileiros nesta República. Agem como vampiros por sugar a seiva do desenvolvimento da nação: os investimentos e o aumento da produtividade. Pelo caminho, matam a criatividade e o empreendedorismo. Deveriam ser mantidos à distância do povo que trabalha e produz. Mas hoje se dá o inverso.
Estamos no império da burocracia, essa secretária da morte do progresso, já que a peluda enreda as atividades do empresário e do cidadão comum, roubando-lhes o bem mais precioso, seu tempo. Calcula-se em 0,5 ponto porcentual do PIB a perda de crescimento anual por causa do excesso de burocracia, o equivalente a nos tomarem cerca de R$ 70 bilhões em investimentos adiados ou cancelados, a cada ano, por puro efeito dos excessos de regulamentos, carimbos, contraordens, erros de lançamento em cobranças, multas injustas e outras pragas. A burocracia peluda, o desperdício de rabo longo e a tributação enlouquecida vampirizam o país
Outros R$ 70 bilhões anuais vazam pelo ralo largo dos desperdícios, como aponta Raul Velloso em nosso trabalho conjunto sobre o grande desperdício fiscal no Brasil. O gasto corrente sem retorno é igual ao que se deixa de investir em infraestrutura – 2% do PIB –, o suficiente para acrescentar mais 0,5 ponto de crescimento anual, permanentemente, à renda e ao emprego. É urgente uma auditoria da eficiência dos procedimentos de gastos de consumo do governo. Não é ideia nova, pois prevista no Artigo 67 da Lei de Responsabilidade Fiscal e, por óbvio, deixada de lado sem cumprimento... há dez anos! Com esse duplo ataque à burocracia e ao desperdício público, Dilma somaria mais 1 ponto de crescimento anual, fazendo saltar de 4% para 5% a média nesta década. Isso, sim, seria combate à pobreza, inclusive mental.
Mas nada há que se compare ao manicômio tributário nacional. Nele perdemos mais de 1 ponto porcentual de crescimento todo ano. Vivemos no paraíso dos impostos e no inferno do contribuinte. A simplificação nessa área tem de ser corajosa. E sem reedição de velhos demônios, como a CPMF. Para chegar lá, o manicômio tem de pegar fogo. A mobilização popular contra os impostos malucos tem de tomar a proporção de revolução em país árabe. Lembrava-nos o vice-presidente Michel Temer, em recente debate do Movimento Brasil Eficiente no auditório do jornal O Globo, que nada se fará de relevante nesse campo dos impostos sem uma intensa mobilização da sociedade. Sou eu, é você, somos todos na luta por resgatar o pedaço do Brasil do futuro que os três demônios – da burocracia, do gasto inútil e do imposto insano – ainda querem nos tomar. É um Brasil a mais a ser ganho – ou definitivamente desperdiçado.

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