Biologia financeira
MONICA B. DE BOLLE
O Estado de S. Paulo - 03/03/2011
Gêiseres fumegantes, formações rochosas estranhas, lagos vulcânicos, o espetáculo das "luzes do norte". É com uma bela fotografia da paisagem da Islândia - cuja economia implodiu em 2008 - que se inicia o filme Inside Job, o documentário sobre a crise financeira global, vencedor do Oscar deste ano. O filme é tendencioso, com ares de Michael Moore, o polêmico cineasta americano. Mas, apesar da diatribe um tanto batida contra os banqueiros e financistas de Wall Street, o documentário é impactante. E força a uma reflexão renovada sobre o modelo que permitiu a expansão excessiva de uma indústria cujos benefícios parecem ter se resumido a ganhos extraordinários para alguns de seus personagens mais proeminentes, os executivos financeiros protagonistas da débâcle de três anos atrás.
Ideologias à parte, não se pode minimizar a importância do sistema financeiro para o crescimento e o desenvolvimento das economias modernas. Como disse Frederic Mishkin, ex-membro do Fed, o sistema financeiro está para a economia como o cérebro, para o corpo humano. Desde que não sofra de desequilíbrios capazes de provocar surtos psicóticos e alucinações megalomaníacas, um sistema financeiro sofisticado coordena e distribui os recursos responsáveis pelo bom funcionamento da economia. Sem ele não há a distribuição dos recursos que garantam os ganhos de renda, a produtividade e o bem-estar almejados pelas sociedades modernas.
O problema é que a expansão desenfreada e desregulada dos sistemas financeiros aumenta brutalmente o risco de crises com um altíssimo custo social, como retrata a experiência recente dos países avançados. A razão é que, diferentemente dos processos de evolução biológicas, a velocidade das mutações financeiras não permite que se construam as redundâncias que protegem os organismos das disfunções imprevisíveis. As redundâncias orgânicas, mesmo que aparentem resultar em uma perda de eficiência, são uma resposta evolutiva à presença de incerteza. O cérebro humano, para usar a imagem de Mishkin, possui uma plasticidade que permite que os prejuízos motores, sensoriais e cognitivos causados por danos localizados sejam compensados por alterações nas funções de outras áreas.
A evolução dos seres vivos não só favorece a criação de mecanismos protetores, como gera condições que estimulam uma maior diversidade dos organismos. Nos ecossistemas, a biodiversidade reduz a probabilidade de que o desaparecimento de algumas espécies gere extinções em cascata aniquiladoras. A evolução desregulada dos sistemas financeiros não progride do mesmo modo. Por causa da rapidez com que as inovações financeiras se multiplicam, há uma tendência tanto de valorizar a eficiência imediata em detrimento das redundâncias corretivas quanto de produzir instituições cada vez mais semelhantes entre si. Os conglomerados financeiros resultados da desregulamentação dos mercados ilustram o fenômeno. Essas características do processo evolutivo dos sistemas financeiros os tornam mais suscetíveis às convulsões paralisantes, como a crise de 2008.
Há modos de controlar a evolução financeira, garantindo a criação dos mecanismos de proteção e a maior diversidade das instituições, impedindo que todas exerçam atividades semelhantes, sem estancar o potencial inovador da indústria? Esse é o desafio a ser enfrentado para que a regulação reflita a realidade dos sistemas financeiros modernos. As novas leis e propostas de reforma que surgiram desde 2008 não resolveram os problemas da dinâmica evolutiva do sistema financeiro e, assim, não reduziram as chances de crises futuras.
No clássico de Joseph Schumpeter de 1942, Capitalismo, Socialismo e Democracia, o capitalismo industrial foi caracterizado como um processo evolutivo, marcado pela "destruição criativa". O capitalismo financeiro que o suplantou nas últimas décadas, fruto da grande desregulamentação americana, inverte a lógica schumpeteriana. Como ilustra o documentário vencedor do Oscar, abandonou-se a destruição criativa para dar lugar à criação destrutiva.
Ideologias à parte, não se pode minimizar a importância do sistema financeiro para o crescimento e o desenvolvimento das economias modernas. Como disse Frederic Mishkin, ex-membro do Fed, o sistema financeiro está para a economia como o cérebro, para o corpo humano. Desde que não sofra de desequilíbrios capazes de provocar surtos psicóticos e alucinações megalomaníacas, um sistema financeiro sofisticado coordena e distribui os recursos responsáveis pelo bom funcionamento da economia. Sem ele não há a distribuição dos recursos que garantam os ganhos de renda, a produtividade e o bem-estar almejados pelas sociedades modernas.
O problema é que a expansão desenfreada e desregulada dos sistemas financeiros aumenta brutalmente o risco de crises com um altíssimo custo social, como retrata a experiência recente dos países avançados. A razão é que, diferentemente dos processos de evolução biológicas, a velocidade das mutações financeiras não permite que se construam as redundâncias que protegem os organismos das disfunções imprevisíveis. As redundâncias orgânicas, mesmo que aparentem resultar em uma perda de eficiência, são uma resposta evolutiva à presença de incerteza. O cérebro humano, para usar a imagem de Mishkin, possui uma plasticidade que permite que os prejuízos motores, sensoriais e cognitivos causados por danos localizados sejam compensados por alterações nas funções de outras áreas.
A evolução dos seres vivos não só favorece a criação de mecanismos protetores, como gera condições que estimulam uma maior diversidade dos organismos. Nos ecossistemas, a biodiversidade reduz a probabilidade de que o desaparecimento de algumas espécies gere extinções em cascata aniquiladoras. A evolução desregulada dos sistemas financeiros não progride do mesmo modo. Por causa da rapidez com que as inovações financeiras se multiplicam, há uma tendência tanto de valorizar a eficiência imediata em detrimento das redundâncias corretivas quanto de produzir instituições cada vez mais semelhantes entre si. Os conglomerados financeiros resultados da desregulamentação dos mercados ilustram o fenômeno. Essas características do processo evolutivo dos sistemas financeiros os tornam mais suscetíveis às convulsões paralisantes, como a crise de 2008.
Há modos de controlar a evolução financeira, garantindo a criação dos mecanismos de proteção e a maior diversidade das instituições, impedindo que todas exerçam atividades semelhantes, sem estancar o potencial inovador da indústria? Esse é o desafio a ser enfrentado para que a regulação reflita a realidade dos sistemas financeiros modernos. As novas leis e propostas de reforma que surgiram desde 2008 não resolveram os problemas da dinâmica evolutiva do sistema financeiro e, assim, não reduziram as chances de crises futuras.
No clássico de Joseph Schumpeter de 1942, Capitalismo, Socialismo e Democracia, o capitalismo industrial foi caracterizado como um processo evolutivo, marcado pela "destruição criativa". O capitalismo financeiro que o suplantou nas últimas décadas, fruto da grande desregulamentação americana, inverte a lógica schumpeteriana. Como ilustra o documentário vencedor do Oscar, abandonou-se a destruição criativa para dar lugar à criação destrutiva.
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