Em contexto: Quem educa melhor? Os pais ou o Estado?
MARIANA SANCHES
REVISTA ÉPOCA
Para enxergar além dos fatos
Todas as manhãs, as irmãs Vitória e Hannah Ferrara, de 11 e 9 anos, dedicam-se às práticas de tênis ou de natação, em Serra Negra, interior paulista, onde moram. À tarde, em vez de ir para a escola, as meninas ficam em casa. A mãe, Leila Brum, decidiu há três anos não fazer mais a matrícula das meninas e assumir totalmente a educação delas. Todas as tardes, Leila se desdobra entre os currículos de inglês, português, matemática, geografia etc. Tenta garantir que as crianças tenham, longe da sala de aula, formação educacional equivalente à escolar. "A família tem deixado cada vez mais a educação de seus filhos na mão do Estado, da escola. Eu não queria isso", diz Leila. "Eu me preparei intelectualmente e financeiramente para que pudesse deixar o trabalho e me dedicar somente à educação delas."
Leila e seu marido, o americano Philip Ferrara, são adeptos do homeschooling, um método de educação em que as crianças ficam em casa e os professores são, em geral, os próprios pais. A educação domiciliar é legal e permitida em dezenas de países. Nos Estados Unidos, onde é mais popular, havia cerca de 2 milhões de crianças estudando em casa, sob responsabilidade dos pais, em 2010. No Brasil, no entanto, a situação é diferente. "Em nosso contexto constitucional não existe nenhuma viabilidade legal para esse tipo de educação", diz Francisco Aparecido Cordão, presidente do Conselho Nacional de Educação, órgão ligado ao Ministério da Educação. Cordão lembra que a Constituição Federal estabelece que a educação é um "direito de todos e dever do Estado e da família" e que o Estatuto da Criança e do Adolescente determina que "os pais ou responsável têm a obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino". Sem amparo legal para educar em casa, Leila e seu marido foram denunciados em outubro passado ao Conselho Tutelar. Terão agora de responder à Justiça pelo crime de abandono intelectual de seus filhos.
Leila e Philip Ferrara são apenas o caso mais recente de pais que entram em uma queda de braço com o Estado brasileiro pelo direito de determinar como será a educação de seus filhos. "Há no Brasil mais de uma centena de pais que decidiram educar seus filhos e hoje vivem na clandestinidade", diz Cleber Nunes, pai de Davi, de 17 anos, Jônatas, de 16, e Ana, de 3, todos educados em casa. Por ter tirado os dois filhos mais velhos da escola em 2005, Cleber foi condenado pela Justiça a pagar cerca de R$ 6 mil de multa e a rematricular os filhos. Ele não acatou as decisões judiciais. "A gente põe o filho na escola para ele aprender os conteúdos, se relacionar e se tornar cidadão", diz Cleber. "Mas o Estado não nos dá a garantia de que isso aconteça nas escolas, quase sempre ruins, que oferece. Não sei nem se meu filho vai sofrer bullying ali, se a professora vai ser capaz de dar atenção suficiente para tantas crianças ao mesmo tempo." Tão logo completem 18 anos, os filhos de Cleber se submeterão ao Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Bastará que eles tirem 400 pontos na prova e 500 pontos na redação para que recebam um certificado de conclusão do ensino médio equivalente ao de quem cursou escola regular. Ambos planejam entrar na faculdade.
Para dar apoio a quem quer trilhar o caminho da educação domiciliar, Cleber criou a Aliança Nacional para Proteção à Liberdade de Instruir e Aprender (Anplia) e pretende filmar, ainda neste ano, um documentário sobre o cotidiano das famílias que optaram por educar os filhos em casa. A iniciativa de Cleber fez com que ele recebesse dezenas de e-mails de pais interessados em adotar educação domiciliar. Ele diz que sua ideia não é fazer propaganda do método, apenas defender o direito dos pais de decidir como educar. "Não posso aceitar que o Estado entre na minha casa para me dizer o que é melhor para o meu filho", diz Cleber.
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