O feito das polícias
JANIO DE FREITAS
FOLHA DE SÃO PAULO - 17/02/11
A percepção da insegurança só pode ser muito localizada; a noção de que crimes violentos e corrupção avançam pelo país fica nebulosa
ENQUANTO A TOMADA do Complexo do Alemão empolgava o país com as glorificações disseminadas pela TV e pela imprensa, muitos dos louvados ocupantes policiais e militares do Exército, sabe-se ou confirma-se agora, tratavam de saquear e assaltar casas e moradores invadidos.
A constatação foi poupada das repercussões merecidas, mas tal fraqueza jornalística teve efeito positivo, ainda que não previsto: evitou que perdessem a confiança da opinião pública as operações de bastante êxito técnico e social, como as realizadas em várias favelas e no Alemão mesmo.
Para complementar o efeito positivo, um adendo contraditório pôs as coisas nos termos devidos: àquela informação negativa, segue-se uma semana que vale como exposição da criminalidade policial, situando o drama da insegurança pública onde de fato está.
No Rio, 30 policiais civis e PMs são presos em uma operação, ainda inconcluída, que precisou da Polícia Federal para efetivar-se; pegou policiais ocupantes de altos cargos na administração pública e, apesar disso, simultaneamente chefões de bandos criminosos; derrubou o próprio chefe de Polícia Civil, e deixou um ambiente muito instável.
Em São Paulo, a par dos assaltos que inquietam, por sua persistente e fácil repetição em centros de comércio e moradias de padrão alto, verifica-se o êxito com que a polícia aderiu ao empreendedorismo que é moda paulista: os melhores preços de máquinas de caça-níqueis e outros jogos, dessas proibidas que a polícia apreende, são oferecidos em uma delegacia de Osasco.
Máquinas usadas, sim, porque apreendidas, mas em ótimo estado, depois de revisadas e reparadas bem junto da delegacia. E vendidas ao preço médio e módico de R$ 400, em lotes, se assim quiser o contraventor. Máquinas expostas para os interessados na própria delegacia.
Em Goiás, a Polícia Federal prendeu o próprio subcomandante da PM, um tenente-coronel e 18 policiais, acusados de integrar um dos mais ferozes grupos de matadores na região de Brasília, inclusive de mulheres sem envolvimento criminal e de crianças.
Visados pela mesma investigação estão ainda dois ex-secretários de Segurança, um deles, Ernesto Roller, ex-candidato a vice-governador e atual procurador-geral de Goiás.
Em Minas, foi identificado um esquadrão da morte composto por policiais. Na Bahia, bem, no Brasil todo, pronto, o dia a dia é o mesmo. Todos os dias. Mas ninguém no Brasil tem ideia do que é esse Brasil, por falta de notícia. Só os casos com alguma peculiaridade, como aqueles acima, tornam-se notícias, e nem sempre. Sem aquela ideia básica, porém, a percepção da insegurança só pode ser muito localizada. A noção de que os crimes violentos e a corrupção avançam pelo país todo fica nebulosa.
E, com isso, tanto as reivindicações como as providências contra a criminalidade violenta e contra a corrupção limitam-se ao circunstancial, episódios localizados respondendo a episódios que, de fato, não são episódicos: são a parte momentaneamente exibida de um todo nacional.
E a verdade é que ninguém sabe o que fazer contra essa realidade vulcânica, por falta até de conhecê-la.
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