A turma que sonha com o extermínio dos imperialistas ianques não conseguiria viver num mundo sem os Estados Unidos
AUGUSTO NUNES
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“Os Estados Unidos precisam usar sua influência para que os golpistas aceitem um acordo”, começou a miar o chanceler Celso Amorim no fim de 2009, depois de descobrir que o governo interino de Honduras não se dispunha a perder tempo com bravatas em mau português. Se o governo americano não tivesse articulado o acordo que restabeleceu a normalidade política no país caribenho, o companheiro Manuel Zelaya ainda estaria hospedado na pensão a que foi reduzida a embaixada brasileira em Tegucigalpa, jogando lenha na fogueira que Hugo Chávez acendeu e Lula alimentou.
A recente conversa entre Antonio Patriota e Hillary Clinton sobre a retirada dos brasileiros em perigo na Líbia atesta que o Planalto gostou tanto da fórmula inaugurada em Honduras que pretende induzir a Casa Branca a engolir uma exótica parceria: o Brasil sempre entra com o problema e os Estados Unidos entram sempre com a solução.
Confrontado com a insurreição popular que surpreendeu Muamar Kadafi, Patriota nem sequer sugeriu a Lula que conseguisse do seu “amigo e irmão”, como recitou o então presidente no encontro da União Africana em 2009, autorização para a entrada de embarcações estrangeiras em águas líbias. Tratou de pedir socorro à secretária de Estado do governo Barack Obama.
Sem a ajuda dos Estados Unidos, mais de 600 brasileiros ainda estariam a ver navios no litoral de Tripoli e Benghazi. Mas Obama não vai ouvir de Lula, quando o mais loquaz dos governantes recuperar a voz, um único e escasso tanquiú gaguejado em surdina. Tampouco deve esperar agradecimentos formais do Itamaraty. Nessa parceria à brasileira, o País do Carnaval não só entra sempre com o problema como, entre um socorro e outro, debita na conta de quem o socorreu todos os males e pecados do mundo.
É o que fez a companheirada nos oito anos do que Ricardo Setti batizou de lulalato. É o que sempre fizeram os esquerdopatas que passam a vida sonhando com o extermínio do Grande Satã, mas não conseguiriam viver sem ele. “Nós precisamos do imperialismo norte-americano, assim como um retirante precisa de sua rapadura”, ironizou o grande Nelson Rodrigues em março de 1968. “Ele é a água da nossa sede, o pão da nossa fome, é o nosso gesto, é a nossa retórica. Quem nos justifica e quem nos absolve? O imperialismo”.
Num dos parágrafos, o cronista previu o que aconteceria “se Deus convocasse as nossas elites, as nossas esquerdas, inclusive a católica; se chamasse os estudantes, se chamasse os escritores e lhes perguntasse: ‘Venham cá. Vocês querem que eu expulse o imperialismo americano?”". Nem pensar, concordariam prontamente os consultados, prontos para a cena descrita por Nelson Rodrigues: ‘”Cairíamos de joelhos, na calçada, soluçando o apelo: ‘Não faça isso, Excelência, não faça isso!’”.
A ÚLTIMA BÚSSOLA
Se as coisas eram assim há 50 anos, pioraram extraordinariamente com o sumiço de todas as demais referências que orientavam os combatentes da Guerra Fria. De lá para cá, desapareceram a União Soviética, o Muro de Berlim, a Cortina de Ferro, o Pacto de Varsóvia, a China maoísta, o Partidão, até a Albânia. Fidel Castro virou garoto-propaganda da Adidas e agoniza numa Cuba em decomposição. A última bússola é o imperialismo ianque.
A hostilidade aos Estados Unidos é o derradeiro traço comum da tribo que junta stalinistas farofeiros, vigaristas bolivarianos, terroristas islâmicos, populistas malandros, socialistas gatunos e ditadores africanos de diferentes túnicas e contas bancárias na Suiça. Neste começo de milênio, caso acordassem num mundo sem os Estados Unidos, todos se sentiriam mais órfãos que um Pedro II sem pai nem mãe, sem trono e sem José Bonifácio.
“O tal ódio aos americanos não chega a ser um sentimento, não chega a ser uma paixão. É uma defesa”, diagnosticou Nelson Rodrigues. “O imperialismo é culpado de tudo e nós, de nada”. A acreditar na lengalenga dos guerrilheiros de festim, é por culpa da nação que garantiu em duas guerras o triunfo da liberdade sobre o totalitarismo que o Brasil ainda não acabou de vez com a fome, o analfabetismo, a seca do Nordeste, o impaludismo, os naufrágios do Enem, a mortalidade infantil, o déficit público, a impunidade dos corruptos e dos assassinos, o desmatamento da Amazônia e a pouca vergonha epidêmica.
É também a Casa Branca que impede a paz planetária, avisa uma vez por semana o assessor presidencial Marco Aurélio Garcia. Enquanto o ministro das Relações Exteriores pedia ajuda a Hillary, o conselheiro para complicações cucarachas agora promovido a chanceler sem Itamaraty tirou do armário a farda e a espingarda de veterano da Guerra Fria, desta vez para fuzilar a ideia, esboçada pelos EUA, de apressar com sanções políticas e econômicas a queda de abjeções como Kadafi.
Inimigo do meu inimigo é meu amigo, acredita Garcia. Se os americanos não gostam dele, então o ditador da Líbia é gente fina. Quem deve ser tratado como tirano psicopata é o presidente da mais vigorosa e admirável democracia da História. Por coerência, o governo brasileiro tem de colocar sob suspeição qualquer figura elogiada por Barack Obama, certo? Errado, ensina o título honorífico que Lula mais aprecia.
Ao ouvir do intérprete servil que o colega americano dissera que era ele “o cara”, o alvo da lisonja deveria ter ficado tão ruborizado quanto uma virgem de antigamente: para merecer um afago da personificação do Mal, algum pecado mortal teria cometido. Que nada. Com um sorriso de candidata a Miss Simpatia, Lula amparou-se na expressão arbitrariamente atribuída a Obama para passar a enxergar no espelho o maior dos pais-da-pátria desde Tomé de Souza.
Há três anos, ele lustra o ego com a mesma gabolice: “Não fui eu quem falou que eu era o cara”. Tem razão. Foi nomeado pelo homem que a tribo acusa de chefiar o imperialismo ianque.
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