Para não contar com a sorte
MARIO MESQUITA
FOLHA DE SÃO PAULO - 26/01/11
Trazer a inflação de volta à meta em período razoável requer reduzir o crescimento para algo abaixo de 4%O BANCO CENTRAL AVISOU no final do ano passado que iniciaria um processo de ajuste da taxa de juros no início de 2011 e cumpriu a promessa na semana passada. A decisão de voltar a elevar a taxa de juros visa promover a convergência da inflação à trajetória de metas, como manda o arcabouço legal vigente.
A tarefa da autoridade monetária é difícil, haja vista a deterioração das expectativas e a evolução dos preços internacionais de commodities, que, por opção do governo, não podem mais ser compensados pela apreciação do real. A tarefa é dificultada, também, pelo fato de que as promessas de maior austeridade fiscal ainda não se materializaram.
Uma dificuldade, porém, foi vencida. O Banco Central, com o apoio eloquente dos dados, parece ter tido êxito em convencer a maioria do governo de que a inflação é mesmo o principal problema conjuntural a ser enfrentado. Com isso passamos, enfim, da fase de negação, característica de todos os surtos inflacionários da nossa história recente, para a fase do enfrentamento.
Ainda há, contudo, importantes elementos de negação no debate público sobre a política anti-inflacionária. Um diz respeito ao que precisaria acontecer para a inflação voltar à meta. O segundo refere-se ao aspecto aparentemente indolor de certas políticas que podem ser adotadas com esse objetivo.
Para não contar com a sorte, isto é, com um choque desinflacionário externo salvador, como um segundo mergulho recessivo das economias maduras, a política econômica teria que promover uma substancial desaceleração da atividade para colocar a inflação de volta na trajetória definida pelo CMN.
Alinhar a economia ao crescimento potencial, que, dada a estrutura econômica atual, certamente é bem inferior aos quase 8% verificados em 2010, poderia até bastar para estabilizar a inflação no patamar atual, próximo a 6% ao ano, mas provavelmente seria insuficiente para reduzir a inflação para a trajetória de metas estabelecida pelo governo, mesmo que esta permaneça no elevado patamar de 4,5%.
A desagradável verdade é que desinflacionar a economia de forma a trazer a inflação de volta à meta em período razoável requer reduzir o crescimento abaixo do potencial, para algo provavelmente abaixo de 4%, talvez até mais próximo a 3%.
Desaceleração não é recessão. Mas, se não existir a famosa ""vontade política" de pagar esse custo, então o mais provável é que o BC consiga apenas, e a duras penas, estabilizar a inflação -uma estabilidade que pode se mostrar precária, haja vista a tendência à elevação dos preços de matérias-primas, que poderia levar nossa inflação a patamares ainda maiores.
Outro aspecto de negação refere-se às tão comentadas, e talvez pouco entendidas, medidas macroprudenciais, que atuam para reduzir a expansão do crédito. De fato, as ações macroprudenciais devem contribuir, via desaceleração do crédito, para desaquecer a demanda e reduzir a inflação. Mas esse mecanismo também tem impactos sobre a atividade econômica.
Em economia, a despeito dos avanços da modelagem nos últimos anos, não há experimentos de laboratório. Os economistas recorrem então a informações baseadas em eventos passados, que, com as devidas adaptações, podem servir de guia para o futuro.
Temos um experimento bastante recente de forte desaceleração do crédito, a que se seguiu ao pânico global de 2008. Evidentemente o ""experimento" de 2008 não foi resultado da política monetária e, sim, das repercussões da grave crise financeira internacional. Mesmo assim, o ocorrido na ocasião, quando a desaceleração econômica foi rápida e intensa, serve de exemplo, um caso limite, do potencial contracionista de restrições de crédito.
Para encontrar um exemplo de restrição induzida de crédito, temos que voltar ao final de 1994 e início de 1995, quando a autoridade monetária, entre outras medidas, impôs depósitos compulsórios sobre ativos bancários -isto é, sobre os próprios empréstimos. Naquela ocasião a desaceleração também foi intensa, com variação negativa do PIB no segundo e terceiro trimestres de 1995.
As alternativas do BC são complexas, e sua tarefa seria certamente um tanto menos difícil se contasse com a solidariedade das autoridades fiscais. O ponto é que, seja qual for o instrumento de política predominante, altas das taxas de juros ou medidas creditícias, o público deveria começar a se preparar para uma pausa para arrumação na atividade econômica. Ou então deveríamos começar a nos acostumar com taxas de inflação mais elevadas.
MARIO MESQUITA, 44, doutor em economia pela Universidade de Oxford
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