Crônica de um déficit anunciado
DAVID KUPFER
O ESTADO DE SÃO PAULO - 14/01/11
Mesmo tendo registrado um saldo superior a US$ 20 bilhões, 2010 deve ser entendido como um ano em que a balança comercial brasileira deu mais um passo rumo a um déficit anunciado.
Como é sabido, esse resultado favorável dependeu majoritariamente da melhoria ocorrida nos preços de algumas commodities, como minério de ferro e soja, que se alinham entre as mercadorias mais exportadas pelo País.
Um olhar mais estrutural, focado somente na indústria de transformação, vai encontrar no desempenho pífio exibido pelo comércio exterior desse conjunto de setores evidências mais do que suficientes para justificar essa conclusão.
De acordo com dados recém-divulgados pelo Ministério do Desenvolvimento Indústria e Comércio Exterior, em 2010 a indústria de transformação apresentou um déficit de US$ 36,9 bilhões, bem mais do que o dobro dos US$ 16,4 bilhões negativos de 2009. Porém, é a velocidade com que a balança comercial desse segmento da indústria vem se deteriorando que chama a atenção: basta lembrar o expressivo saldo de US$ 22,6 bilhões registrado em 2006, quando o atual ciclo de apreciação cambial estava em seus primórdios.
Quem se habilitar a realizar o simples exercício de calcular em separado os resultados dos setores superavitários e deficitários da indústria de transformação vai encontrar números ainda mais sugestivos. Em 2006, o superávit dos setores do primeiro grupo foi de US$ 43,9 bilhões enquanto o déficit dos setores do segundo grupo foi de US$ 21,3 bilhões. Já em 2010, o número recuou para US$ 31,6 bilhões no caso dos superavitários e pulou para, nada mais, nada menos, do que US$ 68,6 bilhões no caso dos deficitários.
Se o leitor ainda tem dúvidas, vale refazer o exercício retirando-se dos cálculos os gêneros da indústria de transformação em que predominam bens commodities, a saber, celulose e papel; produtos alimentares (açúcar, café etc.); couro e peles; e bebidas (etanol). Nesse caso, o déficit comercial em 2010 atingiu US$ 66,6 bilhões, tendo os setores superavitários alcançado em conjunto tão somente US$ 1,9 bilhão, menos do que 10% do saldo total da balança comercial do País.
Essa piora generalizada no desempenho comercial da indústria de transformação que, como visto, está afetando quase todos os seus setores independentemente de serem exportadores ou importadores líquidos, indica a existência de um problema sistêmico de competitividade na economia brasileira, cujo enfrentamento não pode mais ser adiado.
É COORDENADOR DO GRUPO DE INDÚSTRIA E COMPETITIVIDADE DO INSTITUTO DE ECONOMIA DA UFRJ
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