Das negativas
Alexandre Schwartsman
FOLHA DE SÃO PAULO - 05/01/11
DENTRE AS PARCAS vantagens do envelhecimento, tema mais premente a cada Ano-Novo, o acúmulo de erros, que nos indica quais rumos não tomar, é das maiores. Previsões econômicas, por exemplo, ainda que mercadoria muito apreciada na virada do ano (não sei bem por qual motivo), são um verdadeiro convite ao desastre.
Mesmo titãs da profissão não escaparam, em algum momento, de desperdiçar uma oportunidade histórica de manter a boca fechada. É verdade que, como economista, não tenho como fugir delas, mas a experiência nos ensina algumas coisas a respeito, em particular que previsões sobre coisas que não irão ocorrer são bem menos arriscadas do que o valor exato da taxa de câmbio às 16h de 30 de dezembro de 2011.
Obviamente não me refiro aqui a impossibilidades práticas (prever que não haverá um voo tripulado a Marte em 2011 é uma barbada, embora provavelmente irrelevante), mas sim a fatos que podem ter alguma importância para as decisões que terão de ser tomadas neste ano.
Assim, por exemplo, é claro que não ocorrerá uma reforma tributária no Brasil (já a criação, ou recriação, de novos impostos é um risco sempre presente). Da mesma forma, prevejo que não reformaremos as regras trabalhistas nem resolveremos a questão previdenciária.
Entretanto, antes que isso se transforme numa triste paródia do capítulo final de "Memórias Póstumas de Brás Cubas" ("não alcancei a celebridade do emplasto, não fui ministro", encerrando-se com o insuperável "não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria"), é conveniente antecipar o que de importante não ocorrerá: o ajuste fiscal.
Sejamos, porém, um pouco mais precisos: não é impossível que, depois da farra de 2009-2010, haja alguma melhora das contas públicas. Por outro lado, não há indicações de que tal melhora será suficiente para neutralizar os efeitos da expansão passada.
Concretamente, o Banco Central, em seu último Relatório de Inflação, explicitou que espera um superavit primário consolidado da ordem de 3% do PIB em 2011. Mesmo sob essas condições, porém, o BC indica que a Selic teria que ser aumentada até 12,25% ao ano para que a inflação retorne à trajetória de metas.
Dado que o superavit primário do setor público atingiu 2,5% do PIB nos 12 meses terminados em novembro, os mais inocentes podem acreditar que bastaria um pequeno aperto para atingir o valor programado em 2011.
Todavia, as contas fiscais têm passado por uma deterioração expressiva também no que diz respeito à qualidade das estatísticas. O exemplo mais famoso (mas longe de ser o único) foi a contabilização de R$ 32 bilhões (0,9% do PIB) associados à capitalização da Petrobras como receita da União. Uma vez que se corrija o resultado primário, retirando toda contabilidade criativa, estimamos que, na verdade, este tenha ficado em torno de 0,9% do PIB no período.
Aplicando a mesma correção à meta fiscal, chegamos à conclusão de que o setor público teria que atingir um superavit primário ajustado de 2,7% do PIB em 2011 para ser congruente com a hipótese do BC, ou seja, um ajuste de 1,8% do PIB.
Trata-se de corte muito mais profundo do que o observado nos dois episódios anteriores de contração fiscal, em 1999 e 2003, quando o gasto público caiu respectivamente 0,6% e 0,8% do PIB.
Note-se, ademais, que, em ambos os casos, foi a alta da inflação a responsável pela redução mais expressiva das despesas. No entanto, como hoje o ajuste fiscal se impõe precisamente para reduzir a inflação, valer-se dela para reduzir o gasto deixou de ser uma prática aceitável.
À luz destas considerações é muito difícil que se produza um ajuste fiscal compatível com o presumido pelo BC, sugerindo a necessidade de um aperto monetário ainda maior. Afirmei nesta coluna que, mais cedo ou mais tarde, a conta do descalabro chegaria. Parece que essa previsão foi acertada.
*Alexandre Schwartsman, 47, é economista-chefe do Grupo Santander Brasil, doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley) e ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central.
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