sábado, dezembro 18, 2010

RUTH DE AQUINO

A mente de nossos filhos
RUTH DE AQUINO
REVISTA ÉPOCA
Época
RUTH DE AQUINO
é diretora da sucursal de ÉPOCA no Rio de Janeiro
raquino@edglobo.com.br
“Uma refeição por dia em família pode diminuir em até 80% o consumo de drogas entre os filhos – e também ajuda a combater a violência na rua, na escola e em casa.” A afirmação é do psiquiatra infantil Fábio Barbirato, autor do livro A mente do seu filho. Se as crianças aprendem por imitação, que modelos nós, os pais e mães modernos do século XXI, fornecemos em casa? O que ensinamos a nossos filhos? Temos tempo de transmitir algum valor ou de escutá-los?
Nunca foi fácil educar. A fronteira entre a autoridade e a compreensão é um aprendizado. Impor regras pode descambar para a repressão, a violência verbal, moral e física. Ser amigo pode descambar para a condescendência, a tolerância excessiva, a falta de limites. Qualquer dos extremos ajuda a formar crianças e adolescentes desequilibrados, inseguros, arrogantes e antissociais. Jovens batem nos colegas da escola, matam a pauladas torcedores de times de futebol adversários, espancam prostitutas, agridem homossexuais com lâmpadas fluorescentes, incendeiam mendigos, suicidam-se no trânsito. Ou mergulham em drogas que incapacitam para sempre, como o crack. “Infelizmente, de duas décadas para cá, os pais, para tentar se aproximar dos filhos, resolveram se tornar amiguinhos. Saem para a noite com os filhos, sentam em uma mesa de bar e bebem todas com eles”, diz Barbirato. Mães se vestem e falam como se tivessem a idade das filhas.
Você é daqueles que ensinam a seu filho que só os fortes sobrevivem? Quando seu filho é irresponsável, você suborna o policial que o flagrou? Minimiza e diz “Tadinho dele, não queria fazer aquilo”, ou pior, “Os outros mereciam mesmo”? Ser amigo é uma coisa. Ser cúmplice é outra. O bullying é apenas uma expressão de violência juvenil. O nome vem de bully, algo como valentão, na tradução do inglês. Nos episódios de bullying, há sempre um desequilíbrio de poder, que pode ter começado em casa, com a sensação de impunidade.
Por que dar um carro superpotente a alguém que acaba de fazer 18 anos? Sua prudência ainda está se desenvolvendo, diz Barbirato. “O menino pensa: meu pai bebe um pouquinho quando saímos e dirige – por que eu também não posso beber um pouquinho, como ele?” Nos anos 60, o jovem buscava nas drogas ilícitas algo para transcender. Hoje, sem causa ou ideologia, o jovem quer é ficar doidão para reduzir a ansiedade ou a melancolia, e por isso submerge no crack. É a crença da onipotência. E ele não consegue mais sair.
Se as crianças aprendem por imitação, que modelo os pais e mães modernos fornecem em casa?
Culpar o aumento de divórcios é uma saída simplista e preconceituosa. “Não são as separações amigáveis que concorrem para a violência. Falo sempre dos filhos daqueles casais que não sabem mais conversar, numa casa onde tudo acontece aos berros ou agressões. Atribuir a culpa à mãe que hoje precisa trabalhar fora é outra visão ultrapassada e machista demais.” Construir um senso de família vai além. Para educar, é preciso ter educação.
Já se tornou clichê valorizar a qualidade, e não a quantidade, de tempo com os filhos. Não há base estritamente científica para se afirmar que uma refeição por dia em família contribua para reduzir o desajuste dos filhos. Mas tendo a concordar com Barbirato. O convívio perdido à mesa é irreparável.
Sou mãe de dois filhos, separada, e lembro quando o mais velho, aos 18 anos, reclamou abertamente: “Mãe, nós não fazemos juntos nenhuma refeição por dia durante a semana”. Isso foi há uma década. Tive sorte, porque ele me chamou a atenção e porque desejava a minha companhia. Antecipei a hora de chegar do trabalho para poder jantar com os dois. É um momento para conversar sobre o dia. Confidências emergem. O diálogo se mantém olho no olho, e não por SMS ou e-mail. Temas polêmicos são discutidos. É hora de falar de valores, compartilhar verdades, mesmo incômodas. De preferência, com o celular desligado! Sem tuitar, sem dispersar. A indiferença com o outro me parece hoje um grande desagregador familiar. O vício da conexão nos desconecta uns dos outros dentro do que um dia se chamou de lar.
Em 2011, jante ou almoce com seus filhos em casa – e não só aos domingos.

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