segunda-feira, dezembro 06, 2010

GUSTAVO CERBASI

Não tem crédito quem não quer
GUSTAVO CERBASI

FOLHA DE SÃO PAULO - 06/12/10

O cadastro positivo pode aquecer o consumo, baixar os juros médios e estimular a educação financeira


ENFIM, TEMOS o cadastro positivo de crédito aprovado pelo Congresso, faltando apenas a provável sanção do presidente Lula. Se aprovado, será um divisor de águas na história das famílias brasileiras.
Não é difícil entender do que se trata. Quando um banco concede crédito, ele leva em consideração que nosso comportamento deve refletir a média de nosso grupo social, e por isso embute nas taxas de juros o seu preço e também um custo adicional para compensar perdas decorrentes de um possível calote que pode tomar.
Quem tiver interesse em expor ao sistema financeiro seu bom comportamento de uso do crédito -pagamentos pontuais e, principalmente, uso bastante frequente do crédito- deverá se inscrever no cadastro positivo para aproveitar melhores oportunidades.
Essas oportunidades podem ser tanto de taxas reduzidas quanto de prazos ou limites maiores para o tomador. O bom pagador não precisa assumir o custo da probabilidade de calote.
Há quem critique a criação do cadastro positivo alegando que os que estão com o histórico ruim ou com o nome sujo certamente não se inscreverão nele, e por isso poderão ser precipitadamente tratados como caloteiros, ter o crédito recusado ou passar a pagar taxas maiores.
Existe uma dose de verdade aí.
Embora os bancos afirmem que o cadastro positivo não tende a elevar os juros para os devedores contumazes, é razoável supor que esse aumento ocorrerá -afinal, o preço do calote passará a ser dividido entre um número menor de pessoas.
Porém, a maior qualidade do cadastro positivo é a maior oportunidade de crédito que será dada aos bons pagadores, somada ao desestímulo àqueles que não souberam lidar com compromissos financeiros.
Podem-se esperar como consequências desses efeitos que haja um aquecimento do consumo de qualidade, uma diminuição dos juros médios de financiamentos e empréstimos e, principalmente, um movimento de educação financeira para que maus pagadores aprendam a usar bem o crédito para tirar proveito do novo sistema.
O ganho é imenso para a economia. Esse mecanismo é adotado com sucesso nos EUA há décadas.
Desde cedo, jovens são estimulados a usar bem seu cartão de crédito e pequenos empréstimos, para que criem um histórico que permita obter boas taxas de juros no futuro.
Há também um estímulo à formação de previdência privada, que na prática serve de lastro para o imenso mercado de crédito. Com muito lastro e bons históricos, os juros são bem menores do que no Brasil.
Creio que, a partir da novidade do cadastro positivo, enfim o brasileiro entenderá que crédito não passa de uma relação de confiança e que a única coisa que ele precisa para ter crédito em abundância é provar à sociedade e ao sistema financeiro que ele sabe lidar com dinheiro emprestado.
Em contraposição àqueles que devem e não negam, que pagam quando der ou que emprestam seus nomes a parentes quebrados, não faltam exemplos de pessoas que souberam construir e preservar um nome.
Um exemplo ainda em evidência é o de Silvio Santos. Dono de um histórico invejável de competência empreendedora e construção de riqueza, poderia ter incinerado sua bela história com o episódio do Banco PanAmericano.
Mesmo sabendo que empresas são criadas para que os riscos de sua atividade se limitem a seu capital e à responsabilidade dos gestores e que a falência é algo natural em um negócio malsucedido, Silvio fez questão de tomar um empréstimo na pessoa física para socorrer não apenas sua empresa, mas principalmente seu nome e sua honra.
Amigos que trabalham no SBT me contaram que chegaram à emissora inúmeras cartas e e-mails oferecendo ajuda pessoal, dinheiro e até bens para serem vendidos para ajudar a recuperar o banco.
Silvio Santos é um deus? Não, é uma pessoa que tem crédito na praça e, principalmente, que zela por esse crédito.
E você? No dia em que tiver problemas financeiros, será fácil conseguir socorro?

GUSTAVO CERBASI é autor de "Casais Inteligentes Enriquecem Juntos" (ed. Gente) e "Como Organizar Sua Vida Financeira" (Campus).

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