Turismo sexual
Arthur Dapieve
O Globo - 31/12/2010
Todo governo precisa de alívio cômico
Prato de cozido no colo, um ex-ministro de Fernando Henrique me apresentava uma tese sui generis a favor
da eleição de José Serra à presidência da República. Segundo ele, depois de dois mandatos consecutivos de um chefe de governo popular e engraçado, afeito a gafes intercontinentais, metáforas escalafobéticas e autoelogios hiperbólicos, o Brasil precisava era de "um chato" no Planalto. Estávamos no aniversário de uma amiga comum, ainda no tempo em que Dilma Rousseff parecia ser apenas um capricho onipotente de Lula e não uma realidade eleitoral mais complexa.
A tese ficava na fronteira entre a blague e o trabalho acadêmico. Para meu interlocutor, a partir de 2011 necessitaríamos de um sujeito tedioso, casmurro, sem maior carisma, mas que gostasse de ler relatórios, preferisse despachar a aparecer e tivesse certo desgosto pelos rapapés da política. Serra, então, seria o candidato ideal. Como se sabe, o ex-governador de São Paulo perdeu. Apesar disso, imagino que o ex-ministro tenha ficado satisfeito com a eleição de Dilma. Ela preenche alguns - se não todos - pré-requisitos de "chatice" vistos como essenciais ao período pós-Lula.
Aquele observador arguto atirou no que viu e acertou no que não viu. A decantada capacidade de trabalho de Dilma será importante na hora de resolver, ou minorar, problemas que só fizeram encorpar nos últimos oito anos, como a decadência postal, o apagão aeroviário, o inchaço da máquina estatal ou o desempenho sempre claudicante da educação. Da presidente, naturalmente, creio que jamais ouviremos a expressão "herança maldita" relacionada ao governo de seu antecessor. Não apenas, é óbvio, por ele ter sido seu mentor como por ela ter feito parte da sua administração.
Entretanto, não há governo que dispense um alívio cômico. Se Dilma e seus ministros mais próximos passam uma imagem de seriedade, o contingente do PMDB no governo parece estar aí mesmo para nos divertir. O partido que apoia o PT em torno de questões programáticas tão importantes quanto desconhecidas já troca o seu turno na Esplanada dos Ministérios dizendo a que veio. É ou não é engraçado ver um deputado federal de 80 anos de idade pedir à Câmara ressarcimento pelas despesas com uma suruba para 15 casais? Dá para rir, claro, desde que o riso evite uma crise de choro.
Onde quer que esteja acordando neste momento, Pedro Novais adormece amanhã em Brasília como ministro do Turismo. Aparentemente, sua maior credencial para o cargo é visitar o Maranhão de vez em quando: embora se eleja há seis mandatos consecutivos pelo estado nordestino, ele mora é aqui no Rio, há mais de trinta anos. Brincadeira. Todo mundo sabe que Novais faz parte da "cota do Sarney". Ele e Edison Lobão, reconduzido ao cargo de ministro das Minas e Energia, que ocupou sem luz alguma até abril. Minas? Energia? Talvez Novais se qualificasse para esse aí também.
Em junho do ano passado, ou seja, durante a campanha eleitoral, uma festinha reuniu os tais 15 casais na suíte Bahamas do Motel Caribe, em São Luís, Maranhão. A reserva do modesto quartinho com sauna, banheira e piscina foi feita em nome de Novais. A nota fiscal de R$2.156,00 foi incluída entre as suas despesas passíveis de reembolso pela Câmara dos Deputados. Então, diante da notícia publicada na quarta-feira passada pelo jornal "O Estado de S. Paulo", o deputado portou-se como era de se esperar de um deputado: protestou inocência (o que é uma coisa particularmente engraçada de ser protestada num caso desses) e pôs a culpa num erro de sua assessoria.
O mais divertido, porém, estava noutro ponto da nota oficial. "Indignei-me como parlamentar e homem público, mas acima de tudo, como cidadão e marido", dizia. "A acusação leviana tenta atingir minha moral e a firmeza de minha vida familiar. Sou casado há 35 anos. Na noite de 28 de junho, data da emissão da nota fiscal pelo referido estabelecimento, estava em casa, ao lado de minha mulher, Maria Helena." O deputado finge não entender que o contribuinte está se lixando para a sua vida sexual, que, aliás, só foi trazida a público pela natureza das despesas que o seu próprio gabinete queria ver ressarcidas. O contribuinte não quer é pagar de modo tão explícito pela trepada alheia, seja de quem for, do parlamentar em pessoa ou de meia-dúzia de, hum, cabos eleitorais.
O modus operandi de Pedro Novais é literal e metaforicamente familiar. Sempre que os integrantes do clã Sarney - em especial, o patriarca José e seus filhos Roseana e Fernando - são flagrados malversando alguma verba pública, afetam uma indignação magoada, como se os denunciantes estivessem se intrometendo em seus assuntos particulares. O fato de essa tática ainda ludibriar tantos eleitores é prova eloquente da suruba entre interesses públicos e interesses privados, suruba bancada pelo velho patrimonialismo brasileiro. E o fato de, a despeito das décadas de dominação política pelos Sarney e seus aliados, o estado do Maranhão ainda apresentar um dos dois piores IDHs do país (o outro é de Alagoas), dá belo testemunho da capacidade política do clã.
Um divertido 2011 para vocês, leitores. E boa sorte para a presidente Dilma.
A tese ficava na fronteira entre a blague e o trabalho acadêmico. Para meu interlocutor, a partir de 2011 necessitaríamos de um sujeito tedioso, casmurro, sem maior carisma, mas que gostasse de ler relatórios, preferisse despachar a aparecer e tivesse certo desgosto pelos rapapés da política. Serra, então, seria o candidato ideal. Como se sabe, o ex-governador de São Paulo perdeu. Apesar disso, imagino que o ex-ministro tenha ficado satisfeito com a eleição de Dilma. Ela preenche alguns - se não todos - pré-requisitos de "chatice" vistos como essenciais ao período pós-Lula.
Aquele observador arguto atirou no que viu e acertou no que não viu. A decantada capacidade de trabalho de Dilma será importante na hora de resolver, ou minorar, problemas que só fizeram encorpar nos últimos oito anos, como a decadência postal, o apagão aeroviário, o inchaço da máquina estatal ou o desempenho sempre claudicante da educação. Da presidente, naturalmente, creio que jamais ouviremos a expressão "herança maldita" relacionada ao governo de seu antecessor. Não apenas, é óbvio, por ele ter sido seu mentor como por ela ter feito parte da sua administração.
Entretanto, não há governo que dispense um alívio cômico. Se Dilma e seus ministros mais próximos passam uma imagem de seriedade, o contingente do PMDB no governo parece estar aí mesmo para nos divertir. O partido que apoia o PT em torno de questões programáticas tão importantes quanto desconhecidas já troca o seu turno na Esplanada dos Ministérios dizendo a que veio. É ou não é engraçado ver um deputado federal de 80 anos de idade pedir à Câmara ressarcimento pelas despesas com uma suruba para 15 casais? Dá para rir, claro, desde que o riso evite uma crise de choro.
Onde quer que esteja acordando neste momento, Pedro Novais adormece amanhã em Brasília como ministro do Turismo. Aparentemente, sua maior credencial para o cargo é visitar o Maranhão de vez em quando: embora se eleja há seis mandatos consecutivos pelo estado nordestino, ele mora é aqui no Rio, há mais de trinta anos. Brincadeira. Todo mundo sabe que Novais faz parte da "cota do Sarney". Ele e Edison Lobão, reconduzido ao cargo de ministro das Minas e Energia, que ocupou sem luz alguma até abril. Minas? Energia? Talvez Novais se qualificasse para esse aí também.
Em junho do ano passado, ou seja, durante a campanha eleitoral, uma festinha reuniu os tais 15 casais na suíte Bahamas do Motel Caribe, em São Luís, Maranhão. A reserva do modesto quartinho com sauna, banheira e piscina foi feita em nome de Novais. A nota fiscal de R$2.156,00 foi incluída entre as suas despesas passíveis de reembolso pela Câmara dos Deputados. Então, diante da notícia publicada na quarta-feira passada pelo jornal "O Estado de S. Paulo", o deputado portou-se como era de se esperar de um deputado: protestou inocência (o que é uma coisa particularmente engraçada de ser protestada num caso desses) e pôs a culpa num erro de sua assessoria.
O mais divertido, porém, estava noutro ponto da nota oficial. "Indignei-me como parlamentar e homem público, mas acima de tudo, como cidadão e marido", dizia. "A acusação leviana tenta atingir minha moral e a firmeza de minha vida familiar. Sou casado há 35 anos. Na noite de 28 de junho, data da emissão da nota fiscal pelo referido estabelecimento, estava em casa, ao lado de minha mulher, Maria Helena." O deputado finge não entender que o contribuinte está se lixando para a sua vida sexual, que, aliás, só foi trazida a público pela natureza das despesas que o seu próprio gabinete queria ver ressarcidas. O contribuinte não quer é pagar de modo tão explícito pela trepada alheia, seja de quem for, do parlamentar em pessoa ou de meia-dúzia de, hum, cabos eleitorais.
O modus operandi de Pedro Novais é literal e metaforicamente familiar. Sempre que os integrantes do clã Sarney - em especial, o patriarca José e seus filhos Roseana e Fernando - são flagrados malversando alguma verba pública, afetam uma indignação magoada, como se os denunciantes estivessem se intrometendo em seus assuntos particulares. O fato de essa tática ainda ludibriar tantos eleitores é prova eloquente da suruba entre interesses públicos e interesses privados, suruba bancada pelo velho patrimonialismo brasileiro. E o fato de, a despeito das décadas de dominação política pelos Sarney e seus aliados, o estado do Maranhão ainda apresentar um dos dois piores IDHs do país (o outro é de Alagoas), dá belo testemunho da capacidade política do clã.
Um divertido 2011 para vocês, leitores. E boa sorte para a presidente Dilma.
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