Suplício insalubre
Ruy Castro
FOLHA DE SÃO PAULO - 02/10/10
Votar é bom, mas nada como ser despertado pelo rádio com música honesta, e não com a propaganda eleitoral obrigatória – o que só voltou a acontecer a partir de ontem, depois de semanas de suplício.
Se alguém tinha dúvida quanto ao cinismo das campanhas, era só ouvir no rádio a sarabanda de sotaques nos jingles dos candidatos à Presidência. Não bastavam a acachapante demagogia dos textos, o pegajoso troca-troca de louvações e as promessas sempre revisadas em função de declarações dos adversários ou da reação de setores da sociedade a respeito de algum tema.
Tudo isso precisava também ser dito à maneira desta ou daquela região, para mostrar como o candidato X ou Y convinha ao País inteiro. Mas com tal falta de sutileza que era impossível não rir ao escutar aqueles sotaques de anedota ou de programa humorístico, tipo 'PRK-30'. A sintonia fina que os publicitários costumam ter ao vender produtos reais (por exemplo, dar um toque quase adolescente aos comerciais de cerveja) se esboroa quando se trata de vender políticos. Eles são difíceis mesmo de vender – porque não são reais.
Com a interrupção das campanhas, poderemos voltar a atender ao telefone sem ter as oiças tomadas por um político se jactando de suas realizações – uma das formas mais invasivas e odiosas de nos implorar o voto. E poderemos voltar a andar pelas calçadas sem ter de driblar tabuletas pela pista dos carros – não apenas pelo risco que isso representava, mas pelo mal-estar provocado pelos sorrisos alvares impressos nos rostos tratados a botox e Photoshop dos candidatos a deputado.
Você dirá que, na democracia, não há outra maneira de saber o que os políticos pensam fazer. Há, sim. Se tivéssemos partidos de verdade no Brasil, bastaria votar numa sigla, mantendo-nos a uma salubre distância dos candidatos.
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