Gelo no Saara
Miriam Leitão
Sinceramente? Ninguém acha que o aumento do IOF vai estancar a queda do dólar. Não que não possa ser tentado. Quando está havendo uma enxurrada, podem ser usadas barreiras temporárias à entrada de capital. Mas é preciso ir à raiz das causas. Os juros são altos demais, o governo gasta demais. Se houvesse um sinal de forte ajuste fiscal, os juros poderiam cair e entrariam menos dólares.
— Com um ajuste fiscal no horizonte, mesmo que fosse no início do próximo governo, os juros poderiam cair, o que diminuiria o diferencial de juros — diz o professor Márcio Garcia, da PUC do Rio.
O professor Antônio Corrêa de Lacerda, da PUC de São Paulo, acha que ao contrário do que se pensa, a valorização do real não é sintoma de saúde da economia brasileira. É fruto de vários desajustes: juros muito altos; gastos excessivos do governo; baixa poupança.
— Aumentar IOF para o capital estrangeiro é medida paliativa; ajuda, mas não resolve o problema. A enxurrada de dólares vai continuar enquanto a Fazenda não se convencer de que é preciso gastar menos para que os juros caiam — disse.
Os juros estão zerados nas principais economias do mundo. Ontem, o Japão derrubou para zero a sua taxa básica. Aqui no Brasil, eles estão em 10,75%. Para o investidor internacional, é lucro fácil. Pega-se dinheiro a juros zero e aplica-se nos títulos da dívida brasileira, que têm remuneração de 10,75%. Com o aumento do IOF de 2% para 4%, a remuneração ficará menor, mas ainda assim a rentabilidade é altíssima.
Márcio Garcia argumenta que o melhor é corrigir isso pela política fiscal: — A medida poderia ser temporária até que viesse novo regime fiscal. Como não virá o ajuste, a alta do IOF ou a compra de reservas é o mesmo que enxugar gelo no deserto de Saara durante o dia.
Antônio Corrêa Lacerda explica que um dos problemas do real valorizado é o impacto sobre a indústria. Nossas exportações continuam focadas em matérias-primas, principalmente porque os produtos industrializados não conseguem preços competitivos no mercado internacional. Em grande parte porque o real está se valorizando demais.
Soma-se a isso o iuan desvalorizado artificialmente pelo governo chinês, tem-se o pior dos mundos.
— O Brasil virou o paraíso da especulação por causa de uma dicotomia entre as políticas monetária e cambial.
Uma boa medida para resolver o problema no longo prazo seria uma sinalização por parte do governo de que os gastos correntes irão crescer abaixo do PIB nos próximos anos. Isso derrubaria os juros futuros — explicou.
A baixa poupança é outro problema crônico porque força o país a se financiar com dinheiro estrangeiro. O resultado disso é o aumento do déficit em conta corrente, que este ano passará de US$ 50 bilhões. Para o final de 2011, Lacerda estima que ele poderá dobrar, indo para US$ 100 bilhões, representando mais de 4% do PIB.
— Gerar déficit em conta corrente nunca funcionou, uma hora tivemos problemas.
Por isso, o ideal é que ele seja financiado com exportações e investimento estrangeiro direto, e não com capital especulativo — afirmou.
Márcio Garcia acha que o Brasil manterá o déficit em transações correntes se quiser financiar o crescimento, por ter baixa poupança: — Precisamos de 22% de investimento e temos taxa de poupança de 17% a 18%.
Vamos ter que manter esse déficit se quisermos financiar o crescimento. A outra saída seria aumentar a poupança interna, o que também só é possível se o governo reduzir seu déficit.
O Brasil hoje é, nas palavras de Márcio Garcia, “o melhor lugar do mundo para se deixar o dinheiro enquanto não se sabe o que fazer com ele.” Isso porque no mundo dos juros baixos, o Brasil tem taxas altas. Ele diz que o Brasil é atrativo também para investimento no setor produtivo, o que significa que há outras portas pelas quais o dólar vai continuar entrando.
Márcio acha desnecessário e muito caro o Banco Central continuar comprando dólar como tem feito, porque o Brasil fica com uma moeda que está caindo no mundo inteiro e, além disso, se endivida a juros de 10,75%. O Banco Central argumenta que isso é importante para o Brasil ter um seguro contra as crises. Márcio lembra que com menos reservas do que temos agora enfrentamos a pior tempestade internacional recente que foi a de 2008/2009.
Acha que o custo de carregar esses US$ 270 bilhões — que ele calcula como no mínimo em US$ 20 bilhões por ano — deveria ser explicitado, para que a sociedade decidisse se quer mesmo continuar acumulando reservas.
O Banco Central compra dólares para tentar evitar que ele se desvalorize, mas a moeda americana continua entrando por causa dos juros altos, e por isso cai. O governo impõe um IOF que não tira toda a atratividade do diferencial de juros e o dólar volta a perder força, como ontem, quando bateu em R$ 1,675, 13% abaixo da maior cotação do ano, no início de fevereiro. Enfim, a armadilha é esta. Em vez de sair dela por um ajuste fiscal, o governo aumenta o gasto e maquia as contas com truques contábeis para esconder a gastança.
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