"Tá tudo errado"
FERNANDO RODRIGUES
FOLHA DE SÃO PAULO - 18/10/10
BRASÍLIA - Quase ninguém fica até ao final da projeção dos créditos de um filme na tela do cinema. Quem tem paciência no caso de "Tropa de Elite 2" ouve o funk "Tá tudo errado", com MC Leonardo: "Tá tudo errado, é até difícil explicar, mas do jeito que a coisa tá indo, já passou da hora de o bicho pegar". MC Leonardo está certo. O problema é que "o bicho" não pega nunca. Já quase no final do filme, a personagem principal discorre sobre como "o sistema" impede a solução dos problemas do Brasil. Em "Tropa de Elite 2" é tudo culpa do "sistema", uma entidade abstrata e inimiga dos bons policiais. No trecho final, uma voz faz essa peroração pela enésima vez. Surgem então belas imagens aéreas da Esplanada dos Ministérios, culminando com o Congresso e a Praça dos Três Poderes. É aquela sutileza (sic) do cinema de entretenimento local. O narrador aponta o "sistema" como vilão. Ao fundo, cenas de Brasília. A imagem do Congresso Nacional e a lição de MC Leonardo combinam com o resultado da última pesquisa Datafolha. Menos de 20 dias depois de terem ido às urnas, 30% dos eleitores já não se lembram em quem votaram para deputado federal. E 28% tampouco se recordam de pelo menos um nome escolhido para uma das duas vagas em disputa para o Senado. Alguém explicará esse fato desolador com a lenga-lenga da baixa escolaridade dos eleitores: gente sem estudo não vota direito. Sofisma puro ou autoengano ingênuo. Educação formal não basta para disseminar valores. A abulia atávica de parte do eleitorado é a gênese do tal "sistema" malhado em "Tropa de Elite 2". O desprezo ou a indiferença por valores republicanos é parte da cultura nacional -não só dos políticos. Em breve, menos da metade dos eleitores se lembrará em quem votou. Realmente, o funkeiro está certo: "tá tudo errado". Mas os brasileiros puxam a fila desses erros todos. |
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