Cura para o 11/9 NICHOLAS KRISTOF O GLOBO - 11/09/10 |
Neste fim de semana, uma mulher judia que perdeu o marido nos ataques de 11 de setembro planeja discursar em uma mesquita de Boston. Ela vai tentar recrutar frequentadores do templo para participar de sua luta contra a pobreza e o analfabetismo no Afeganistão. Susan Retik conseguiu ter a talvez mais inesperada e inspiradora reação americana aos atentados. Este aniversário do 11/9 me parece estranho, com alguns fazendo planos para lembrar o dia com ódio. Até a queima de alcorões entrou em cogitação o que torna o trabalho de Susan ainda mais interessante.
Na sequência do 11 de setembro de 2001, Susan se juntou a outra mulher, Patti Quigley, cujo marido também morreu no atentado. Elas moravam próximas e ambas estavam grávidas de bebês que nunca veriam seus pais. Deprimidas, perceberam que havia mais de meio milhão de viúvas no Afeganistão e depois, com a guerra, haveria ainda mais. Susan e Patti também perceberam que as viúvas afegãs poderiam ser uma força de estabilização do país.
Então, num momento em que o governo americano reagia ao horror do 11/9, na maioria das vezes com mísseis e bombas, prisões e técnicas de afogamento, elas focaram em projetos de educação e combate à pobreza no próprio país em que foi planejado o ataque que acabou com suas vidas.
A organização que fundaram, Beyond the 11th, já auxiliou mais de mil viúvas afegãs a iniciar pequenos negócios. É um esforço para ajudar algumas das pessoas mais carentes do mundo e lutar contra a desconfiança, o ódio e o desemprego que sustentam os talibãs.
"Mais emprego significa menos violência", observa Susan. "E ingênuo pensar que podemos mudar o país, mas a mudança tem de começar por algum lado. Se nós podemos fornecer treinamento a uma mulher para que ela possa sustentar sua família, então será uma pessoa ou cinco pessoas a ter um teto sobre sua cabeça, comida no estômago e uma oportunidade de educação".
Em tempos de medo e escuridão, suprimimos os melhores anjos de nossa natureza. Em vez disso, elas despertaram os delas.
Paul Barker, que durante muitos anos liderou as operações da ONG Care (equipes de voluntários militares e civis) no Afeganistão, acredita que os EUA teriam conseguido mais se o governo tivesse compartilhado a paixão das duas mulheres pela educação e o desenvolvimento.
"Posso imaginar o mundo diferente que teríamos hoje se, nos meses após os atentados, a liderança de nossa nação fosse guiada mais pela visão de povo para povo e tratasse de construir pontes metafóricas e físicas", afirma ele.
A organização começou comprando galinhas para que as viúvas pudessem vender ovos. Outro projeto importante foi a construção de um centro para mulheres na cidade de Bamian, onde elas tecem tapetes para exportação. O centro, supervisionado por um grupo de ajuda chamado Arzu, também oferece aulas de alfabetização e tem uma padaria.
Outra iniciativa foi treinar mulheres afegãs, através de um grupo chamado Conselho Empresarial pela Paz, para dirigir uma fábrica de bolas de futebol. As dirigentes receberam assistência em controle de qualidade, gerência de estoque e outras práticas. As bolas começaram a ser exportadas sob a marca Dosti.
Tudo isto será capaz de tornar o Afeganistão um país pacífico? Claro que não.Educação e emprego não são panaceias. Mas escolas e iniciativas econômicas tendem, com o tempo, a diluir o fundamentalismo. Todo o trabalho da Beyond the 11th feito no Afeganistão em nove anos custou menos do que manter apenas um soldado americano naquele país durante oito meses.
Admiro o trabalho de Susan porque é um antídoto contra a pusilânime histeria anti-islâmica neste aniversário do 11 de setembro. Susan oferece uma visão alternativa ao escolher uma mesquita e trabalhar com os muçulmanos para que, no futuro, haja menos viúvas lá e cá. Sua atividade é uma luta revigorante para unir todas as fés contra esses inimigos comuns da humanidade: ignorância e pobreza.
NICHOLAS KRISTOF é jornalista. © "The New York Times"
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