O último debate
Miriam Leitão
O Globo - 30/09/2010
Numa disputa eleitoral tão cheia de surpresas na reta final, o debate de hoje fica ainda mais emocionante.
Os candidatos se preparam sabendo que do desempenho de cada um dependerá a ocorrência ou não de segundo turno. Dilma chega à reta final mantendo seu favoritismo, mas sem ter enfrentado de fato o calor da campanha. Foi protegida por cercadinhos para jornalistas, e até para o povo.
Em cada debate ou entrevista, correligionários da candidata governista comemoraram o não-desastre, o erro evitado, o jogo na retranca.
Seu principal aliado foi seu adversário, o candidato José Serra. Ele teve alguns bons momentos, mas não conseguiu, até agora, demonstrar que tem um projeto amplo para o país. Não preparou um bom programa que desse ao eleitorado a noção da alternativa apresentada.
Sua propaganda está baseada no que ele fez, no que ele foi. Em nenhum momento ele ajudou a trazer de volta à memória o maior feito do seu grupo político que foi a vitória sobre a inflação, que atormentava os brasileiros com índices que chegaram a 84%, filas nos postos de gasolina, desabastecimento, sequestro do dinheiro no banco. Isso sem falar da falta crônica de telefone.
Mesmo os mais jovens já ouviram falar daquele tempo de economia de guerra que o Plano Real encerrou. Claro que uma campanha tem de falar do futuro, mas o recall de uma grande vitória daria mais substância ao que ele falasse em seguida.
Há quem considere que a popularidade do presidente Lula o transformou numa entidade mítica. Ele não é.
Sem negar sua capacidade de comunicação, o que está sendo aprovada é a sensação de conforto econômico criada pela manutenção da inflação baixa, pelo crescimento deste ano e pela expansão do crédito. Depois de consolidada a estabilização, seria mesmo a hora de expandir o crédito, e o governo soube fazer isso.
Quem está hoje comprando bens que não comprava antes sustenta a aprovação do presidente.
Mas houve também um fenômeno circular da campanha: uma propaganda maciça do governo realçando seus feitos, muitas vezes com números falsos ou exagerados, foi aumentando a popularidade do presidente e alimentando as intenções de voto numa candidata que continua, ainda agora, desconhecida do eleitorado.
Até para os seus, que temeram o tempo todo que ela fosse apanhada em alguma explosão de mau humor. Por isso, o cercadinho que manteve a imprensa à distância.
Seu humor volátil não resistiria ao quebra-queixo, como são definidas aquelas entrevistas de dezenas de jornalistas com suas pautas e microfones. O silêncio de Serra sobre as vitórias do seu grupo político ajudaram a convalidar o “nuncantismo” do governo Lula, como se esse tivesse sido o governo inaugural do Brasil.
Dilma não deu, até agora, resposta boa a duas questões que a abalaram nessa reta final. O uso abusivo, desrespeitoso e perigoso do aparelho do Estado para espionar adversários. O PT comemorou o fato de que a quebra de sigilo não retirou votos da sua candidata, mas retirou, certamente, qualidade da democracia brasileira. Num país onde fatos como o da quebra de sigilo e acesso a contas de adversários políticos ocorrem com essa sem-cerimônia é um país onde a democracia corre riscos. Pode não sensibilizar a maioria do eleitorado, mas está no capítulo dos direitos e garantias individuais.
Dilma também não tem resposta para Erenice Guerra.
O distanciamento que ela tentou criar com sua ex-braço direito é falso. A rede de tráfico de influências e nepotismo foi montada enquanto Dilma Rousseff estava na Casa Civil. Se ela viu é grave, se ela não viu é assustador, porque, caso seja eleita, terá de escolher milhares de gestores públicos.
Em qualquer ministério podem acontecer problemas.
Mas Dilma fez uma comparação indevida entre Erenice e os casos ocorridos no Ibama que levaram à prisão de servidores na época da candidata Marina Silva no Ministério do Meio Ambiente. Não houve um caso dessa complexidade entre assessores diretos de Marina. Dilma usou um truque: era a última a falar naquele jogo de réplica e tréplica e lançou sobre Marina uma comparação despropositada.
Explicar Erenice, ela ainda não explicou.
Apenas repete respostas treinadas para escapar do que salta aos olhos.
São fracas e bisonhas as explicações dadas por Serra para a ausência de Fernando Henrique da campanha e a imagem de Lula no programa eleitoral. “Foram três segundos apenas”, costuma dizer José Serra. Mas marcaram pelo inusitado.
Ele deveria refletir sobre o fato de a pergunta ser tão recorrente. É obsessão dos jornalistas ou erro crasso de sua campanha? Marina ficou tão preocupada em não ser a candidata de uma nota só que não conseguiu passar para todos a visão positiva de como se pode crescer caminhando para uma economia de baixo carbono. Ela não tem conseguido tornar concreto para todos o que está falando. Não basta dizer que a oposição entre economia e ecologia é uma visão do século XX. Ela precisava explicar melhor que mundo novo é este e por que é ela que o representa. Afinal, todos dizem que são a favor da sustentabilidade e a palavra foi ficando vazia.
O único momento de sinceridade de Dilma nesse tema talvez tenha sido o ato falho que ela cometeu em Copenhague: “O meio ambiente é obstáculo ao desenvolvimento sustentável”, disse ela na ocasião. O trator que a Casa Civil passou sobre o Ibama para dar a licença de Belo Monte é totalmente compatível com a frase que escapou por descuido na Conferência do Clima.
Hoje, passado, presente e futuro estarão em debate.
Que vença a pessoa mais capaz, e não a que decorou melhor as frases e truques dos marqueteiros.
Nenhum comentário:
Postar um comentário