Se apoiasse a candidata de Lula, Fernando Henrique seria canonizado pela seita
AUGUSTO NUNES
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Se não lhe sobrasse a dignidade que falta a tantos cardeais da oposição, se não soubesse o que é o sentimento da honra, se não tivesse uma história a preservar, Fernando Henrique Cardoso trataria de fazer o que já teriam feito, em seu lugar, os oportunistas monitorados pelo imediatismo cretino dos marqueteiros: perguntaria ao chefe da campanha de Dilma Rousseff se está interessado numa declaração de apoio à candidata. Claro que sim, berraria Lula ainda no meio da pergunta. E nem esperaria o fim da conversa para convocar uma cadeia nacional de rádio e TV, e comunicar aos brasileiros, na hora do Jornal Nacional, que fora Lula nunca antes neste país houve um governante como FHC.
Os devotos da seita , como ensinaram os casos de José Sarney e Fernando Collor, são todos desprovidos de autonomia afetiva: amam quem está com o chefe, odeiam quem está contra o chefe. Anunciada a canonização, tanto os Altos Companheiros quando os soldados rasos das milícias se poriam de joelhos para rezar em louvor de São Fernando Henrique. No mesmo dia, o Grande Satã do PT seria instalado na vaga mais espaçosa do altar companheiro. E o horário eleitoral governista começaria a contar ao Brasil quem é o mais recente aliado de Dilma Rousseff.
O primeiro programa, dedicado ao Plano Real, provaria que a inflação foi vencida por FHC. O segundo, amparado na Lei de Responsabilidade Fiscal, provaria que foi ele o único presidente a impor limites à gastança criminosa do dinheiro público. Um ensaio do professor Antonio Cândido registraria a importância da obra do sociólogo Fernando Henrique Cardoso. Um artigo da professora Marilena Chauí lembraria que o mundo que se ilumina quando ouve Lula fica cheio de estrelas quando lê Fernando Henrique. E a UNE finalmente voltaria às ruas para exigir que o professor Fernando Henrique Cardoso fosse aclamado paraninfo de todas as turmas diplomadas em 2010.
No último programa da temporada, Lula juraria que nunca ouviu falar em “herança maldita”: se alguém ousasse usar tal expressão em sua presença, sairia da sala aos arrancos, solidário com o homem que fixou as diretrizes da política econômica. Depois de lembrar que só por isso o Brasil sobreviveu a crises internacionais e continua crescendo, Lula lembraria, com Henrique Meirelles ao lado, que entregou a presidência do Banco Central a um deputado federal eleito pelo PSDB porque não se mexe em time que está ganhando.
Em menos de três semanas, os brasileiros descobririam que devem ser creditados à Era FHC os programas sociais que originaram o Bolsa Família, o tratado de paz que encerrou o interminável conflito fronteiriço entre o Peru e o Equador, a construção do gasoduto que liga a Bolívia ao Brasil, o processo de privatização que ressuscitou ou modernizou empresas devastadas pelos tumores da corrupção, do empreguismo e da incompetência.
Há quase 16 anos, Lula e seus devotos tentam transformar um grande presidente em traidor da pátria e inimigo do povo. Há quase oito anos, a oposição engole em silêncio críticas improcedentes, versões fantasiosas e falsidades infamantes. Os petistas não acreditam numa única palavra do que dizem. Os tucanos acreditam, sugerem os programas do horário eleitoral.
Já que raramente aparece no horário da oposição, por que Fernando Henrique Cardoso não pergunta se o PT está interessado em mostrá-lo na tela? Os portadores de miopia pusilânime merecem esse castigo. A sorte do país que presta é que FHC prefere pensar nos brasileiros decentes. Caso fosse como os outros, bastaria o telefonema para Lula. Ainda acabaria nomeado, com a aprovação unânime da base alugada, Presidente de Honra do Brasil.
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