Atitude
Benjamin Steinbruch
FOLHA DE SÃO PAULO - 31/08/10
Um caso concreto ilustra a ideia que pretendo defender neste artigo. Desde setembro, cada par de calçado chinês importado pelo Brasil passou a pagar uma sobretaxa provisória de US$ 12,47. Por mais que os importadores reclamassem, essa cobrança, uma medida de proteção contra dumping, tornou-se definitiva em março e subiu para US$ 13,85.
O efeito prático dela já pode ser avaliado. As importações de calçados chineses caíram 60% de janeiro a julho em comparação com as dos primeiros sete meses de 2009. Os mais de 200 fabricantes brasileiros desses calçados agradeceram, mas a história não acabou. Os industriais nacionais têm certeza de que os fabricantes globais passaram a usar uma triangulação para burlar a norma brasileira. Como a sobretaxa só atinge o produto feito na China, cresceram as importações de outros países asiáticos: 127% no caso do Vietnã e 77% no da Indonésia. Da Malásia, que praticamente não exportava calçados para o Brasil, vieram 3 milhões de pares nos primeiros sete meses do ano.
Esse exemplo não é um caso isolado. Faz parte de um problema que precisa ser enfrentado com coragem e que atinge vários setores da indústria. Há um fato novo no momento atual da economia brasileira: nossa situação interna é excelente, o consumo está em alta (enquanto o do mundo está em baixa) e, por isso, nosso mercado virou alvo. Está sendo atacado por todos os lados.
Faz parte do jogo a disputa com fornecedores globais. Mas é preciso que os fabricantes locais possam participar em igualdade de condições. Além do câmbio prejudicial, há distorções tributárias estaduais que agravam o problema. E alguns setores da indústria local já estão com estoques elevados.
O País precisa controlar a importação de manufaturas, com tarifas antidumping e outros mecanismos que levem em conta interesses nacionais. Americanos, europeus e asiáticos fazem isso. Na semana passada, o governo dos EUA anunciou 14 medidas para punir práticas que considera ilegais por parte de fornecedores estrangeiros. Lá, não há espaço para liberalismo ingênuo.
É ilustrativo dar uma olhada na balança comercial brasileira de manufaturados. Em 2006, o País teve o último superávit nesse setor, de US$ 5 bilhões. De lá para cá, houve crescimento constante do déficit, que neste ano vai atingir US$ 60 bilhões, segundo estimativa da Fiesp.
Não dá para brincar com essa tendência, porque ela significa perda de empregos. Estudo da Fiesp indica que o impacto do déficit de manufaturados na indústria significou 1,02 milhão de empregos em 2009 e vai representar 1,56 milhão em 2010.
O Brasil, que surfou bem a crise global até agora, precisa adotar atitude desenvolvimentista, não só no incentivo à exportação, mas também no controle e na regulamentação da importação desordenada.
Essa nova atitude, que não pode ser confundida com o velho protecionismo dos anos 1980, impõe que o Brasil tenha hoje um Ministério do Desenvolvimento mais forte que o da Fazenda. A parte financeira do País está resolvida. A força que terá o Ministério do Desenvolvimento no próximo governo, seja quem for o presidente eleito, será um bom indicador do caminho a ser seguido nos próximos anos.
O novo Brasil, mais do que nunca, precisa cuidar da soberania nacional, que exige controles serenos, porém rigorosos. A compra de terras e de reservas minerais por estrangeiros, por exemplo, está nesse contexto. Os chineses estão comprando minas e grandes áreas nas novas fronteiras agrícolas. Nenhuma objeção quando as aquisições partem da iniciativa privada externa, mas tudo a contestar se elas vêm de Estados estrangeiros.
'Primitivismo estarrecedor', expressão usada por um crítico, ou ‘imaturidade estratégica', empregada por outro, seria ficar de braços cruzados e nada fazer para conter importações desordenadas ou para segurar o avanço estatizante estrangeiro. Se não queremos o Estado brasileiro controlando minas e comprando terras, muito menos podemos aceitar isso por parte de Estados estrangeiros.
Soberania não combina com as ingênuas neuroses antinacionalistas do passado, como as que também estão por traz das críticas ao Bndes. Neuroses do tempo em que os brasileiros não tinham autoestima e zombavam do próprio destino ao aceitar o rótulo de país de um futuro que nunca chegava.
Diretor-presidente da CSN, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp
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