quinta-feira, julho 01, 2010

MÍRIAM LEITÃO

Duplo mergulho
Miriam Leitão
O GLOBO - 01/07/10

A Moody’s pôs em observação o risco da Espanha e isso derrubou as bolsas, encerrando o pior trimestre nos mercados em mais de um ano. Na terça-feira, as bolsas desabaram depois que a China revisou de 1,7% para 0,3% um indicador antecedente de atividade, referente a abril. A incerteza em relação à Europa, a queda da confiança do consumidor americano mostram que a crise está longe do fim.

A Standard & Poor’s pôs em perspectiva negativa a classificação de risco da Moody’s.

Agora as próprias agências rebaixam elas mesmas.

O Brasil parece longe de tudo isso. O relatório de inflação do Banco Central revisou para cima o crescimento do PIB. Há três meses, o BC achava que o Brasil cresceria 5,8%, agora prevê 7,3%. Mas nenhum país está muito longe. Na terça, por causa da preocupação com a China, a ação da Vale caiu 5%.

A China cresce puxada por oferta de dinheiro a custo quase zero, com estímulos excessivos que vão formando bolhas. A economia internacional tem vários sinais de desajuste.

Quando saíram indicadores ruins das economias da China e dos Estados Unidos, a bolsa de Xangai recuou 4,3%, a maior queda desde maio, e foi ao nível mais baixo em 14 meses.

A bolsa americana caiu abaixo de 10.050 pontos.

As da Europa despencaram, o Ibovespa recuou 3,5%. Bolsas são apenas um termômetro, mas a volatilidade reforça a tese de que a crise continua.

Os contratos de seguro contra o risco de calote dos países europeus dispararam: os chamados CDSs(Credit Default Swap) da Grécia atingiram 966 pontos. Para manter um titulo grego de C10 milhões, o investidor tem que pagar um seguro de C 966 mil. E a Grécia não é o país mais arriscado do Planeta. Esse título está com a Venezuela.

O CDS da Espanha subiu 7,9%, para 274 pontos, e o de Portugal subiu 3,5%. A taxa que mede o custo dos empréstimos entre os bancos na Europa atingiu o patamar mais elevado em oito meses depois que reportagem do “Financial Times” mostrou que bancos espanhóis estão fazendo pressão sobre o Banco Central Europeu (BCE) pela renovação de linhas de crédito de C 442 bilhões que vencem hoje.

Os bancos da Espanha, com problemas de fluxo de caixa, podem ter que ir a mercado pegar dinheiro para rolar suas dívidas. O quadro abaixo mostra a pesada agenda de vencimentos. O BCE avisou que limitará o prazo de empréstimos ao sistema financeiro a três meses, os bancos querem um ano. Como os juros são baixos, de 1%, o temor do BCE é criar novas distorções no sistema financeiro.

A crise preocupa mais quando se aproxima de um país como a Espanha, que representa 10% do PIB da Zona do Euro — cinco vezes mais que a economia grega. O déficit fiscal do país está em 11%; a taxa de desemprego, em 20%; e o PIB, estagnado.

Essa combinação para os bancos espanhóis significa uma piora na qualidade de suas carteiras de crédito.

Os problemas no sistema financeiro espanhol estão no chamado sistema de Caja de Ahorros, bancos de fomento de fundações privadas que são administrados por indicações político-regionais.

São quase 50% do sistema financeiro espanhol — 67% do crédito imobiliário.

Dois deles já faliram, e um processo de fusão e aquisição reduziu de 45 para 18 essas instituições.

Em comunicado no final de semana para a reunião do G-20, a OCDE afirmou que a economia global está em “estágio crítico”. Para o economista-chefe do banco WestLB, Roberto Padovani, está havendo frustração em relação ao crescimento mundial e a tendência nos próximos meses é de revisões para baixo nas projeções do PIB.

— O mundo vinha numa trajetória de recuperação no final de 2009 e no primeiro trimestre de 2010, então a expectativa generalizada era pela continuidade desse ritmo. Mas o que se percebe no segundo trimestre é que está acontecendo uma perda — explicou.

O problema, segundo Padovani, é que o crescimento no pós-crise foi sustentado por estímulos, mas o fôlego dos governos está chegando ao fim. O aumento do déficit e das dívidas soberanas não permitem a continuidade dessas políticas.

O mercado financeiro se pergunta o que poderão fazer os governos em caso de uma nova recessão. Os juros das principais economias estão em torno de zero; trilhões de dólares foram gastos no salvamento de bancos, desonerações fiscais e pacotes de incentivos. O déficit e o endividamento batem recordes.

Qualquer notícia ruim derruba as bolsas, aprofundando as perdas.

O banco francês BNP Paribas, em relatório, não descarta a possibilidade de um novo trimestre recessivo nas principais economias. A expressão double dip (duplo mergulho) volta a aparecer com frequência em relatórios de bancos e consultorias.

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