Ainda afogados
Antonio Machado
CORREIO BRAZILIENSE - 26/06/10
Única certeza do G-20 é que o mundo não caiu no buraco, mas não consegue se afastar do perigo
Da cúpula em Pittsburgh, nos EUA, nove meses atrás, dos chefes de governo do Grupo dos 20 (G-20) países mais ricos, à de Toronto, no Canadá, neste fim de semana, a economia global parou de afundar, o que não significa que as crises sumiram, e surgiu uma certeza: o mundo não caiu no buraco, mas não consegue se afastar do perigo.
O excesso de dívidas nos países industrializados, que é o foco da crise, os governos encamparam as de pessoas, bancos e empresas por meio das operações de resgate de toda ordem. Os governos salvaram o setor privado nos EUA e Europa, basicamente. E agora correm para se salvarem, tornando-se dependentes do mercado financeiro que até outro dia precisaram acudir. Essa é a ironia da cúpula de Toronto.
Em setembro do ano passado, os líderes do G-20 focaram a criação de ações coordenadas para recuperar o crescimento de longo prazo e o equilíbrio global. Antes que a recuperação estivesse plenamente enraizada, no entanto, veio outro revés, desta vez sob a forma da crise de dívida dos países do euro. A crise está em mutação.
A questão de nove meses atrás, assim, permanece, segundo estudo do Brookings Institute enviado aos líderes do G-20: “O mundo está em recuperação, realmente, ou começamos a ver uma recaída?” Essa é a agenda da cúpula. Não há consenso. O presidente Barack Obama, na semana passada, enviou carta a seus pares do G-20 pedindo para que as ações de estimulo fiscal não fossem retiradas prematuramente.
Foi um recado à chanceler da Alemanha, Ângela Merkel, que iniciou um programa de corte de gastos e aumento de impostos, acompanhado de medidas fiscais mais drásticas por Grécia, Espanha, Portugal e Irlanda, os países da zona do euro com maiores dívidas e déficits.
França e Itália, segunda e terceira maiores economias do euro, fizeram o mesmo, seguidas pelo governo conservador da Inglaterra, que rompeu com o alinhamento fiscal frouxo aos EUA praticado pelo governo trabalhista derrotado de Gordon Brown. Nada disso ajuda o reequilíbrio econômico no mundo. Europa em recessão vai deprimir a retomada nos EUA e, sobretudo, a recuperação de Grécia ou Espanha.
Países superavitários, como China, Alemanha e Japão, deveriam por a economia doméstica para rodar, desviando demanda para os países fragilizados da Europa e também aos EUA. É a receita do economista Paul Krugman, para quem a austeridade na Alemanha “é realmente uma má ideia”, já que a economia na Europa está, segundo ele, 7% a 8% abaixo da capacidade normal, com taxa de juros próxima de zero.
A vantagem da China
A Alemanha fez o oposto: apertou o fiscal e espera deslanchar os negócios pelo canal exportador. E a China impressionou: no início da semana, o Banco do Povo, BC local, voltou a flutuar o renminbi (ou iuan), que vinha colado ao dólar desde 2008, antes do colapso do Lehman Brothers. O renminbi mais caro poderá, em tese, reduzir as exportações da China e aumentar importações. Mas só em tese. Se isso vai acontecer, é incerto, mas, politicamente, a China já chega a Toronto com um gol de vantagem, enquanto a Europa do euro, mais Inglaterra, além do risco de precipitar com a austeridade o duplo mergulho da economia, vai ao G-20 querendo apoio para taxar os ativos da banca e as operações financeiras globais.
Europa está isolada
No plano interno, Alemanha, França e Inglaterra decidiram taxar a banca local. Nas operações intra-Europa e globais, esperam obter a concordância dos governos no G-20. China, Japão e Brasil discordam e nem tem por que concordar: os seus bancos passaram inteiros pela crise e são super-regulados. A Europa que se vire, enfim, e também os EUA, embora Obama proponha uma legislação que mais controle que tribute o sistema financeiro. A posição dos EUA é interessante.
Encharcado em dívida
Os países não podem prescindir dos mercados para girar as dívidas soberanas. Uma coisa é controlar os bancos e fundos. Outra é levá-los às cordas. Soa bem, politicamente, aumentar impostos da banca, quando se está cortando salários do funcionalismo e demitindo. Mas tem de se ver o efeito dessa ação sobre o financiamento da dívida pública. Tesouros nacionais e bancos formam hoje uma identidade.
O mundo está encharcado em dívidas, com impressionantes US$ 222 trilhões de passivos públicos e privados, ou o equivalente a 362% do PIB global. É complicado, neste ambiente, dar um chega para lá nos bancos. A extinção de parte dessa dívida será deflacionária, segundo o economista canadense David Rosenberg, e isso mesmo que os bancos centrais sejam forçados a emitir dinheiro como antídoto.
É cada um por si
A ressurgência da crise ressalta a impossibilidade de a economia global voltar aos tempos de bonança, de 2003 a 2007, sem o mercado dos EUA. Reunidos, o consumo interno dos emergentes é uma fração do dos EUA. Mas de onde virá a retomada norte-americana, se há excesso de produção em relação à demanda da ordem de 6% do PIB? — questiona o economista Rosenberg.
A destruição da ociosidade industrial ainda mal começou, e a taxa de desemprego já se encostou a 10% da força de trabalho dos EUA, e o setor imobiliário voltou a colapsar. A grandiosidade de tais questões e a falta de soluções fáceis dão ideia do que esperar da cúpula G-20: não mais que generalidades e manifestações de generosidade. Para valer, é cada um por si. Que o presidente Lula vá a Toronto com o pé atrás. E esconda a carteira.
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