sexta-feira, junho 04, 2010

BRASIL S/A

A ruína como álibi

Antônio Machado
Correio Braziliense - 04/06/2010
 
Desastre ecológico é outro golpe na economia do carbono, e Obama defende futuro sem petróleo

Já considerado o maior desastre ambiental da história dos EUA, a explosão no Golfo do México da plataforma Depwater Horizon da BP, antiga British Petroleum, começa a provocar consequências que vão além da catástrofe. O óleo aflora do fundo do mar sem cessar desde 20 de abril. Esta semana, surgiu uma tímida esperança de sucesso.

O derrame produziu danos irreversíveis para a vida marinha, as aves, a pesca, o turismo, e o óleo continua em sua trajetória de destruição levado pelas correntezas. As sequelas serão duradouras.

O governo de Barack Obama não sabe até onde a mancha de petróleo pode chegar. Aproxima-se da costa da Flórida. Pode chegar a Cuba.

Obama acionou o presidente de Cuba, Raul Castro, que vai cooperar com os esforços, apesar do embargo movido contra o país pelos EUA.

Nem o Brasil está imune. O desastre acendeu a luz amarela para a exploração do pré-sal, ainda que os processos da Petrobras possam ser mais eficientes e seguros que os da BP. Na hipótese de falha humana, possibilidade que a equipe de investigação das causas do acidente afirma considerar, é certo que os protocolos de segurança em todo mundo serão questionados. E a licença ambiental para uma atividade quase na fronteira das águas territoriais poderá vir a lidar com pressões que vão roçar os limites da soberania.

Dos problemas suscitados pela tragédia americana para o curso do pré-sal, o financeiro é imediato. O consultor em energia Adriano Pires prevê o encarecimento do seguro de risco das plataformas do pré-sal da ordem de 5% a 10%, US$ 30/60 bilhões — e isso levando em conta só os blocos iniciais de exploração na Bacia de Santos.

A futurologia dos desastres ambientais se faz por associação. BP, que também opera no Brasil, e Petrobras são gigantes, respeitadas também pela eficiência. A BP, obviamente, não mais. Ambas usam equipamentos assemelhados e com a mesma procedência. A logística no pré-sal, porém, é muito mais complexa que no Golfo do México.

Como compara o consultor Pires, nos EUA a exploração se dá a 150 quilometros da costa e à profundidade de 1,6 mil metros. No pré-sal, diz ele, as condições são mais adversas, pois a ocorrência de petróleo está a 300km da costa e de 5 mil a 7 mil metros abaixo do fundo do mar. O infortúnio da BP explicita os riscos latentes.
Negócio de alto risco
Os perigos ambientais da exploração do petróleo no mar não serão mais abafados. E eles se somam, nos EUA, aos riscos econômicos e políticos derivados do negócio determinante há mais de um século do modo de produção industrial em todo o mundo. Das sete recessões nos EUA desde a 2ª Guerra, só a atual não tem o petróleo de vilão — protagonista também dos intermináveis conflitos no Oriente Médio e Golfo Pérsico. E razão do extenso aparato militar mantido pelos EUA no mundo, boa parte policiando as rotas dos petroleiros.
O pré-sal chegou tarde?
O que se fizer nos EUA para cortar a dependência do petróleo que vem de fora terá reflexos globais de toda ordem. E no Brasil, em especial, devido ao comprometimento de investimentos volumosos no pré-sal — mais de US$ 600 bilhões em dez anos, quase tudo de fonte oficial, dada a nova lei proposta pelo governo Lula, aprovada na Câmara e em discussão no Senado, arrogando à Petrobras o monopólio da exploração na área. Mais: a indústria naval foi reativada e a de equipamentos, ampliada, tudo para atender a demanda do pré-sal. Não se contempla a hipótese de o petróleo perder sua hegemonia.
Ou vai ou racha
Os riscos foram delimitados por Obama, que tomou a ofensiva esta semana, aproveitando “os riscos inerentes à perfuração abaixo de 4km da superfície”, como disse, para pressionar pela aprovação de lei ambiental de apoio às energias limpas e restrições à indústria do petróleo, incluindo tributos para custear a transição.

“Nós consumimos mais de 20% do petróleo do mundo, mas temos menos de 2% das reservas mundiais”, disse. Obama autorizara a exploração no mar, agora suspensa, visando cortar a dependência de “países em regiões perigosas e instáveis”, em suas palavras. Agora, propõe um passo maior. “De uma vez por todas, o tempo chegou para esta nação abraçar plenamente um futuro de energia limpa”, declarou.

Do petróleo ninguém se livrará por duas a três décadas, dizem os especialistas. Mas, se despontar uma tecnologia matadora, além de prazos compulsórios para conversão, sobretudo em transportes, os investimentos em petróleo vão minguar, os países produtores vão torrar as reservas, e o preço, trazido a valor presente, desabar.
Qual é a questão real
A estratégia antipetróleo nos EUA, atacada pelo lobby petroleiro, que é poderoso, se ampara em questões climáticas, de geopolítica e, agora, ambiental. Mas seu maior aliado é a crise financeira, hoje a grande ameaça ao poder hegemônico dos EUA. É nesse contexto que se insere o embate entre o petróleo e as energias alternativas.

“O mundo se afasta da dependência dos combustíveis fósseis e os EUA farão o mesmo”, diz David Burwell, do Carnegie Endowment for International Peace. “A questão real é se os EUA vão liderar tais esforços ou vão seguir outros países.” Essa é toda a questão. Em amplas rodas do governo, da academia e do mundo dos negócios há a crença de que os EUA serão salvos com tecnologias transformadoras. Boa parte já existe. Falta a regulação. E o Brasil em meio a isso?

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