Dilma está sendo clonada
ARNALDO JABOR
O GLOBO - ONTEM
Dilma Rousseff tem de ser ela mesma. Seu duro passado de militância política lhe deixou um viés de rancor e vingança justificáveis. Ela tem todo o direito de ser uma típica “tarefeira” da VAR-Palmares, em vias de realizar o sonho de sua juventude, se eleita. Ela tem o direito de ser irritadiça, pois o país é irritante mesmo. Ela pode achar que democracia é “papo para enrolar as massas”, desconfiar dos capitalistas e empresários, viver gostosamente a volúpia do poder que conquistou... Ela pode ignorar a queda do muro de Berlim, o fim da Guerra Fria, amar o Lula. Ela pode tudo, mas tem de assumir sua personalidade.
Meu Deus, como eu entendo a cabeça da Dilma, mesmo sem conhecê-la pessoalmente... Conheci muitas dilmas na minha juventude, quando participei da fé revolucionaria de nossa geração. Para as dilmas e dirceus do passado, a democracia é uma instituição burguesa (Lênin: “É verdade que a liberdade é preciosa; tão preciosa que precisa ser racionada cuidadosamente”). Ela se considera membro de uma minoria que está “por dentro” da verdade, da chamada “linha justa”. Ela se julga superior – como outros e outras que conheci –, inclusive eu mesmo.
Mas, só uma dor me devora o coração: Dilma está sendo clonada. Esta frente unida do autodeslumbramento de Lula com a massa sindicalista-pelega quer transformá-la em uma Dilma que não existe. Uma nova pessoa, um clone dela mesma. Isto é muito louco.
É natural que o candidato beije criancinhas, coma bode e puxe o saco de evangélicos... Tudo bem. Mas, o tratamento a que submetem a pobre da Dilma me lembra uma famosa cena de Brecht, em “Arturo Ui”, em que um velho ator shakespeareano bêbado e decadente é convocado para ensinar a Hitler (Arturo Ui) como se comportar diante das massas, recitando o discurso de Marco Antonio em “Julio César”. É genial a cena em que, aos poucos, o Hitler vai virando um boneco de engonço, com gestos e falas de robô quebrado.
A finalidade da faxina que marqueteiros e pt-psicólogos fazem na moça é esta: criar alguém que não existe e que nos engane. Afinal, o que querem esconder? Querem uma reedição “Dilminha paz e amor”? Ou querem Lula e ela em um filme tipo “Se eu fosse você 3”, como piou o Agamenon?
Isso é grave. O PT não se envergonha de criar uma pessoa fabricada em quem devemos votar? Será que seguem ainda a máxima de Lênin: “Uma mentira contada mil vezes vira uma verdade”?
Querem que ela seja uma sorridente democrata, uma porta colorida para a invasão da manada de bolchevistas que planejam mudar o país para trás, na contra mão da tendência da economia global. Eu os conheço bem...
O espantoso é que o país melhorou graças ao Plano Real e uma série de medidas de modernização que abriram caminho para a economia mundial favorecer-nos como um dos países emergentes – e esse raro fenômeno (James Carville, assessor do Clinton contra Bush: “É a economia, estúpido!”) é tratado como se fosse uma política do governo atual, que só fez aumentar despesas públicas e inventar delírios desenvolvimentistas (Stalin: “A gratidão é uma doença de cachorros...”).
O povão do Bolsa Família não pode entender isso. Muitos intelectuais entendem, mas não têm a coragem de explicitar as diferenças – o lobby da velha “boa consciência de esquerda” os intimida. Nesta eleição, não se trata apenas de substituir um nome por outro. Não. O grave é que tramam uma mudança radical na estrutura do governo, uma mutação dentro do Estado democrático. Vamos viver um pleito pretensamente “revolucionário”, a tentativa de um Gramsci (filósofo que dizia que os comunistas devem se infiltrar na democracia para mudá-la) vulgar. Querem fazer um capitalismo de Estado, melhor dizendo, um “patrimonialismo de Estado”. Para isso, topam tudo: calúnias, números mentirosos, alianças com a direita mais maléfica (Stalin: “Não deixamos os inimigos ter armas de fogo; por que deixar que tenham ideias?”).
Não esqueçam que o PT combateu o Plano Real no STF, como fez com a Lei de Responsabilidade Fiscal, como não assinou a Constituição de 1988. Este é o PT que quer ficar na era pós-Lula. Seu lema parece ser: “Em vez de burgueses reacionários mamando na viúva, nós, do povo, nela mamaremos”.
Depois desse “bonapartismo cordial” que o Lula representou, apropriando-se da “herança bendita” de FHC, pode haver o início de uma nova fase: o “chavismo cordial”.
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