Apostas e egos feridos
Vicente Nunes
CORREIO BRAZILIENSE - 19/04/10
Que o Banco Central vai aumentar a taxa básica de juros (Selic) no fim deste mês, ninguém duvida, por causa da considerável alta de inflação. Mas vale registrar aqui um debate que vem sendo feito entre técnicos da instituição sobre o tamanho do arrocho inicial a ser definido pelo Comitê de Política Monetária (Copom), se 0,5, 0,75 ou um ponto percentual.
Há um incômodo muito grande dos técnicos com o comportamento de alguns grandes bancos, que têm se achado no direito de pressionar o Copom a forçar a mão nos juros. Essas instituições vêm usando como argumento principal para essa pressão a manutenção da Selic em março em 8,75% ao ano. Afirmam que tal decisão foi política, devido à pretensão do presidente do BC, Henrique Meirelles, de ser o vice na chapa da petista Dilma Rousseff à Presidência da República, desejo que acabou frustrado.
Em março, os departamentos econômicos do Itaú Unibanco e do Bradesco divulgaram vários relatórios indicando que, diante da forte deterioração da inflação, não restaria outra alternativa ao BC senão a de aumentar os juros em 0,75 ponto.
Um prestigiado economista do Itaú Unibanco chegou ao ponto de disparar vários telefonemas a colegas de mercado às vésperas da reunião do Copom para tentar convencê-los a se engajarem na campanha por uma alta mais forte da Selic. Era uma questão de honra, pois a mesa de operações do banco havia convencido grandes clientes que a elevação da Selic viria e seria expressiva — de 0,75 ponto.
No Bradesco, apesar de o seu departamento econômico ter apostado tudo no aumento dos juros, a área de tesouraria optou por seguir um caminho contrário e aconselhar a clientela a se posicionar a favor da manutenção da taxa básica.
Ou seja, no Itaú Unibanco, as perdas acarretadas aos clientes por uma tacada errada deixaram o departamento econômico com uma imagem ruim. E, no Bradesco, apesar de a grande maioria dos clientes ter se safado, criou-se um mal-estar entre a tesouraria e a área econômica que ainda não foi dissipado por completo.
Decisão técnica
Com esses relatos, os técnicos do BC justificam que não dá para a instituição entrar no jogo de interesses e de egos do mercado. A pressão por um aperto mais forte da Selic já foi retomada, e parece ter se tornado uma questão de honra para os que erraram em março acertar agora.
Como dizem os técnicos do BC, é bom que todos se conscientizem de que as decisões de política monetária são técnicas e vão continuar a ser, independentemente dos interesses de determinados bancos ou economistas.
Sem manipulação
Os mesmos técnicos ressaltam que muitos criticam a pesquisa Focus, divulgada semanalmente pelo BC. Mas essas pessoas se esquecem que é justamente a amplitude do levantamento, com a opinião de mais de 100 analistas e consultores, que dilui qualquer intenção de manipulação das informações.
Não custa lembrar que, a despeito de parte dos grandes bancos estar apostando em uma alta de 0,75 ponto nos juros na reunião do Copom dos próximos dias 27 e 28, a pesquisa Focus da semana passada ainda indicava uma subida de apenas 0,5 ponto.
“Mas que fique claro. Se o BC achar que deve elevar os juros mais fortemente, vai fazê-lo, seguindo critérios estritamente técnicos”, diz um dos técnicos. A instituição, garante ele, não medirá esforços para cumprir a missão de fazer com a que a inflação convirja o mais rápido possível para o centro da meta, de 4,5%.
Beicinho de Mantega
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, bate o pé, faz beicinho, diz que não, afirma que tudo não passa de intriga dos que querem juros mais altos. Mas, na opinião do economista-chefe da Corretora Convenção, Fernando Montero, o Brasil crescerá 7,1% neste ano. O Produto Interno Bruto (PIB) será puxado pela indústria, que dará, em 2010, um salto acima de 12%, o maior para um ano em quase um quarto de século.
Para Montero, muita gente do mercado e mesmo do governo está subestimando o supercrescimento do país neste ano. E isso ficará claro quando saírem os resultados do PIB do primeiro trimestre, com avanço de 2,2% sobre os últimos três meses de 2009, que já foi um período de forte expansão.
O economista ressalta que, ao longo do ano, haverá, sim, um processo de desaceleração do nível de atividade, mas nada que impeça um saldo final de fazer chorar os opositores do presidente Lula.
Em 2011, primeiro ano de gestão do próximo presidente, o quadro será outro. Já impactado pelo aperto monetário iniciado no fim deste mês, o PIB voltará para mais próximo do seu potencial, algo como 4,5%.
O que, ressalte-se, mostrará que o tranco dado pelo BC não será tão forte, pois a base de comparação será a maior desde 1986, ano do fatídico Plano Cruzado, em que o único ganhador foi o PMDB, que conseguiu eleger uma leva enorme de governadores e deputados e que, agora, dará o vice à chapa de Dilma Rousseff.
Vicente Nunes é editor de Economia
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