quarta-feira, abril 14, 2010

BRASIL S/A

Internet e sabão

Antônio Machado
Correio Braziliense - 14/04/2010
 
Oi poupa governo do fiasco de prover acesso à internet em banda larga como sabonete sem perfume

O acesso em alta velocidade à internet, chamada de banda larga, é como sabonete. Sem perfume, é sabão. Sem computador e treinamento, a internet não é nada. A educação e produtividade, funções nobres da web, têm exigências que vão além da universalização do serviço.

A ubiquidade do celular, com quase 180 milhões de linhas, atesta a inexistência de barreiras de ingresso. E é essa experiência bem sucedida o que parece inspirar a vontade do governo de disseminar o acesso à internet, como se não existissem diferenças abissais entre ambos os sistemas. A conexão por voz é simples.

A internet é mais complexa. Ela “responde” ao que se escreve num teclado, o que já é um limitador raramente mencionado. Mas não só. Se o objetivo for apenas o de oferecer outro canal de comunicação às pessoas, é pouco para o vulto do investimento. Além disso, não bastam computador e internet para tudo se resolver. É só o começo.

Milhares de prefeituras receberam financiamento para entrar na era da tecnologia da informação. O resultado tem sido pífio. Falta o básico: treinamento para ensinar o que fazer com o computador. Talvez falte mais: um programa nacional de “volta às aulas”, sem discriminação de idade e grau de instrução, focando conhecimentos gerais, independentemente da educação regular das escolas.

O país está atrasado em educação, uma geração inteira ficou para trás ou foi só parcialmente educada, impedindo-a de tirar proveito máximo do mundo de informações e experiências disponibilizadas na internet. Essa segregação cultural, mas também de produtividade no sentido com que é utilizada pelas empresas e escolas na Coréia do Sul, Finlândia, Japão, EUA, exemplos de países engrandecidos pelo uso direcionado e intensivo da internet, ela por si não resolve.

A internet, sem educação básica tradicional de qualidade, é como um monoglota largado num país de língua estranha. O computador em sala de aula, com professores despreparados, dispersa mais do que educa. Não dispensa o ensino convencional, mas pode vir a ser uma ferramenta complementar poderosa na educação. E nos negócios.

O governo tem pressa em anunciar um programa massivo e de baixo custo de acesso à internet em banda larga, sem um plano que lhe dê consistência, com computadores de ponta, segundo o padrão atual de navegabilidade, a preço baixo, financiamento sem condicionalidades e, sobretudo, os programas de treinamento em larga escala.
A urgência é outra
Nos termos colocados pelo presidente Lula, o acesso à banda larga não teria discriminação, como não há ao celular. A ser desse modo, e não há como ser diferente para uma política pública, difícil não é universalizar o serviço. É torná-lo operacional para a multidão que mal sabe sair da tela inicial de um PC.

O público alvo não é a dos sem-PC que vão às lan houses para usar computador ligado à internet. Os técnicos do governo envolvidos na discussão da banda larga estão com foco equivocado. O público alvo é mais verde, tem outros problemas, que misturam questões de renda insuficiente com educação deficiente. Essa é a urgência a atender.
Telebrás era o bug
Prover condições para fechar o gap entre a população conectada à internet e quem está fora não tem nada a ver com banda larga — no limite, nem com a internet, mas com educação, reciclagem e renda.

O presidente fora levado a um fosso sem fim ao ser convencido de que investir no meio físico do acesso à internet seria o objetivo, e, para isso, deveria descongelar a Telebrás, estatal-zumbi devido a questões legais. Sua sorte foi não confiar tanto no que ouvia.
BNDES viu a solução
Foi este o pano de fundo da idéia cogitada no BNDES por Luciano Coutinho, presidente do banco, de trazer as teles para o projeto de banda larga sob a liderança da Oi, na qual os fundos de pensão de empresas estatais e o próprio BNDES têm 49% do capital.

Absurdo, além da recriação da Telebrás estando o Estado sem caixa para ações mais prioritárias e com R$ 21,8 bilhões contingenciados no orçamento fiscal, seria a Oi, a grande tele nacional criada com suporte público para tornar as telecomunicações um setor de ponta, ficar fora da discussão. E da solução. Simples. As teles têm mais de 200 mil quilômetros de rede. A do governo não chega a 20 mil. E só elas vão até a casa do consumidor. Agora é discutir o custo.
O que está aberto
Entre o “deixa comigo” da Oi e a decisão de Lula, que avocou a si a pendenga, ainda não está tudo resolvido. A equação do custo e do preço a cobrar continua indefinida. O governo não escapa de ter de subsidiar o serviço, se quiser tarifa compatível com o nível médio de renda dos sem-acesso. A velocidade de conexão é outro desafio.

O problema é geral, não apenas para a faixa popular da internet. As teles têm de investir mais em rede. A tributação do setor, que equivale à de artigos de luxo, sobretudo pelo ICMS, é o item mais crítico. A modicidade da tarifa depende desse enrosco. Menos mal que já exista esse entendimento, embora não se saiba como fazer.

Algum conforto para a burocracia empenhada em reativar a Telebrás também é cogitado. Sabe-se lá porque a internet virou fetiche para setores do Estado e da esquerda. Quanto mais livre, aberta e menos burocracia tiver a internet, porém, mais estimulante ela será. :)

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