Sacripantas, velhacos e chupistas
ARNALDO JABOR
O GLOBO - 27/04/10
O canalha é a base da nacionalidade. Ele é a pasta essencial de tudo que rola na política. Ele faz a história paralítica do Brasil, ele tem a grandeza da vista curta, o encanto dos interesses mesquinhos, a sabedoria das toupeiras, dos porcos e dos roedores.
Como todo governo, Lula precisou de alianças, mas, com a ética "revolucionária" do PT, exagerou na dose. Assim, nasceu o recente canalha de fronte alta, o canalha aliado, homenageado como homem "incomum".
Antes, os canalhas se escondiam pelos cantos... Hoje, desfilam orgulhosos no Congresso e ministérios.
Assim, Lula nos ensinou muito sobre o Brasil. Ele fez surgir um esplendoroso universo de fatos, de gestos, de caras, nos últimos anos. Que riqueza para nossa consciência política! Que prodigiosa fartura de novidades sórdidas, tão fecunda quanto a beleza de nossas matas, várzeas e flores.
Toda semana temos um novo escândalo... Tivemos, claro, a superprodução do mensalão, depois o show de meias e cuecas em Brasília, temos agora os dez picaretas do Paraná, sem contar os impunes e os esquecidos... Meu Deus, são tantos sanguessugas, vampiros, aloprados, tantos...
Agora, já conhecemos a secular engrenagem latrinária que funciona embaixo dos esgotos, dos encanamentos, das ilusões de cientistas políticos; já vemos os intestinos da política, os súbitos aumentos de patrimônio, as declarações de renda dos corruptos, os carrões, os iates, as piscinas em forma de vaginas, as surubas lobistas no Lago Sul; já vemos as suas caras de furões, de cangurus, de tamanduás, vemos a sujidade, a porquidão, a esterqueira, viajando diante dos olhos nacionais.
Ouvimos os clamores de "calúnias, injúrias e difamações", as indenizações pretendidas, e a euforia guerreira de advogados chicaneiros, as promessas a Jesus para proteger os salteadores; vemos as mandingas, os despachos, as galinhas mortas na encruzilhada, vemos o desespero das esposas traídas, corneadas e gestantes, denunciando, por vingança, os maridos ladrões; vemos as relações sexuais rareando em Brasília e a súbita angústia nos bares políticos, o uísque caindo mal, as barrigas murmurantes, as diarreias, as prisões de ventre, as flatulências fétidas, os vômitos de medo da polícia, tudo compondo o grande painel barroco da suja politicagem.
A "canalhalogia" é uma ciência nova. Sem estudá-la, não se entende o Brasil de hoje. Ela não é desvio; é a norma. O canalha tem 400 anos: avô ladrão, bisavô negreiro e tataravô degredado.
O canalha criou o sistema brasileiro que, em troca, recria-o persistentemente: suas jogadas, seus meneios foram construindo um emaranhado de instituições que dependem da mentira.
Quando o Jefferson e o Durval Barbosa abriram a boca, foi um choque de realidade. Quando a verdade aparece, sempre há uma catástrofe. Aí, jorra um show de mentiras ofendidas, um chorrilho de "nãos" e de "negos": "Minha honra", "aleivosias contra mim", "Deus é testemunha..." - ladrões sob o manto do candor, da pudicícia. A mentira é necessária para manter as instituições funcionando.
Estamos cercados de "pichelingues" - resolvi usar sinônimos de "canalha" para não repetir o grasnar dessa feia palavra - por todos os lados. Onde bate uma CPI, lá estão os quadrilheiros nos contemplando do fundo de arquivos, de dentro de cumbucas, reproduzindo se como bactérias.
Há um orgulho perverso no cara de pau, no "mofatrão". No imaginário brasileiro colonial, ele tem algo de aventureiro heroico. O larápio conhece o delicioso "frisson" de saber-se olhado nos restaurantes e bordéis. Homens e mulheres veem-no como gula: "Olha, lá vai o maravilhoso vigarista sem vergonha...!" - sussurram fascinados e fascinadas por seu cinismo sorridente.
O esbulhador não se culpa; sempre tem uma razão que o absolve e justifica: uma velha vingança, um antigo castigo, uma humilhação infantil.
O "chupa-sangue" tem o orgulho de suportar a culpa, anestesiá-la - suprema inveja dos neuróticos. Ele pode roubar verbas de cancerosos e chegar em casa feliz ao ver os filhos assistindo a desenho na TV. Muitos são bons pais - pensam no futuro da família.
Gatunos e bifadores fascinam também executivos honestos porque, por mais que eles se esforcem, competentes, dedicados, sempre estarão carentes de um patrão ingrato.
O trambiqueiro, não; ele pega e come, ele não espera recompensas, só ele se premia. Ele tem o infinito prazer do plano de ataque, o orgasmo na falcatrua, a delícia da adrenalina na apropriação indébita.
O canalha não é o malandro - não confundir. O malandro é romântico, boa praça; o canalha é minimalista, seco. O malandro tem bom coração. O canalha não sofre. O canalha tem enfarte; o honesto tem úlcera.
Exterminá-los é impossível. Os sacripantas, os velhacos renascerão com outros nomes, inventando novas formas de roubar o país. Os "marraxos" são infinitos; temos de destruir suas covas e currais.
Enquanto houver 20 mil cargos de confiança no país, haverá rapinantes e embusteiros; enquanto houver estatais controladas por sindicatos, fundos de pensão expostos ao roubo, haverá alfaneques e flibusteiros; enquanto houver subsídios a fundo perdido, tipo Sudam ou Sudene, haverá chupistas.
E, por ironia, os ladravazes são nosso perigo e nossa esperança. Os pelego-bolchevistas que lutam para ficar no poder os consideram meros degraus para a "revolução", um mal necessário para basear o retrocesso estatizante, o "chavismo cordial" que querem trazer por aí. Um perigo.
Por outro lado, é tanta a sordidez dos aliados de base que sua "malemolência" malandra vai minar qualquer tentativa de controle excessivo de "comissários do povo" sobre a sociedade, nesse subperonismo que querem criar se chegarem ao poder de novo.
A que ponto chegamos: os canalhas são também uma ridícula esperança democrática.
Como todo governo, Lula precisou de alianças, mas, com a ética "revolucionária" do PT, exagerou na dose. Assim, nasceu o recente canalha de fronte alta, o canalha aliado, homenageado como homem "incomum".
Antes, os canalhas se escondiam pelos cantos... Hoje, desfilam orgulhosos no Congresso e ministérios.
Assim, Lula nos ensinou muito sobre o Brasil. Ele fez surgir um esplendoroso universo de fatos, de gestos, de caras, nos últimos anos. Que riqueza para nossa consciência política! Que prodigiosa fartura de novidades sórdidas, tão fecunda quanto a beleza de nossas matas, várzeas e flores.
Toda semana temos um novo escândalo... Tivemos, claro, a superprodução do mensalão, depois o show de meias e cuecas em Brasília, temos agora os dez picaretas do Paraná, sem contar os impunes e os esquecidos... Meu Deus, são tantos sanguessugas, vampiros, aloprados, tantos...
Agora, já conhecemos a secular engrenagem latrinária que funciona embaixo dos esgotos, dos encanamentos, das ilusões de cientistas políticos; já vemos os intestinos da política, os súbitos aumentos de patrimônio, as declarações de renda dos corruptos, os carrões, os iates, as piscinas em forma de vaginas, as surubas lobistas no Lago Sul; já vemos as suas caras de furões, de cangurus, de tamanduás, vemos a sujidade, a porquidão, a esterqueira, viajando diante dos olhos nacionais.
Ouvimos os clamores de "calúnias, injúrias e difamações", as indenizações pretendidas, e a euforia guerreira de advogados chicaneiros, as promessas a Jesus para proteger os salteadores; vemos as mandingas, os despachos, as galinhas mortas na encruzilhada, vemos o desespero das esposas traídas, corneadas e gestantes, denunciando, por vingança, os maridos ladrões; vemos as relações sexuais rareando em Brasília e a súbita angústia nos bares políticos, o uísque caindo mal, as barrigas murmurantes, as diarreias, as prisões de ventre, as flatulências fétidas, os vômitos de medo da polícia, tudo compondo o grande painel barroco da suja politicagem.
A "canalhalogia" é uma ciência nova. Sem estudá-la, não se entende o Brasil de hoje. Ela não é desvio; é a norma. O canalha tem 400 anos: avô ladrão, bisavô negreiro e tataravô degredado.
O canalha criou o sistema brasileiro que, em troca, recria-o persistentemente: suas jogadas, seus meneios foram construindo um emaranhado de instituições que dependem da mentira.
Quando o Jefferson e o Durval Barbosa abriram a boca, foi um choque de realidade. Quando a verdade aparece, sempre há uma catástrofe. Aí, jorra um show de mentiras ofendidas, um chorrilho de "nãos" e de "negos": "Minha honra", "aleivosias contra mim", "Deus é testemunha..." - ladrões sob o manto do candor, da pudicícia. A mentira é necessária para manter as instituições funcionando.
Estamos cercados de "pichelingues" - resolvi usar sinônimos de "canalha" para não repetir o grasnar dessa feia palavra - por todos os lados. Onde bate uma CPI, lá estão os quadrilheiros nos contemplando do fundo de arquivos, de dentro de cumbucas, reproduzindo se como bactérias.
Há um orgulho perverso no cara de pau, no "mofatrão". No imaginário brasileiro colonial, ele tem algo de aventureiro heroico. O larápio conhece o delicioso "frisson" de saber-se olhado nos restaurantes e bordéis. Homens e mulheres veem-no como gula: "Olha, lá vai o maravilhoso vigarista sem vergonha...!" - sussurram fascinados e fascinadas por seu cinismo sorridente.
O esbulhador não se culpa; sempre tem uma razão que o absolve e justifica: uma velha vingança, um antigo castigo, uma humilhação infantil.
O "chupa-sangue" tem o orgulho de suportar a culpa, anestesiá-la - suprema inveja dos neuróticos. Ele pode roubar verbas de cancerosos e chegar em casa feliz ao ver os filhos assistindo a desenho na TV. Muitos são bons pais - pensam no futuro da família.
Gatunos e bifadores fascinam também executivos honestos porque, por mais que eles se esforcem, competentes, dedicados, sempre estarão carentes de um patrão ingrato.
O trambiqueiro, não; ele pega e come, ele não espera recompensas, só ele se premia. Ele tem o infinito prazer do plano de ataque, o orgasmo na falcatrua, a delícia da adrenalina na apropriação indébita.
O canalha não é o malandro - não confundir. O malandro é romântico, boa praça; o canalha é minimalista, seco. O malandro tem bom coração. O canalha não sofre. O canalha tem enfarte; o honesto tem úlcera.
Exterminá-los é impossível. Os sacripantas, os velhacos renascerão com outros nomes, inventando novas formas de roubar o país. Os "marraxos" são infinitos; temos de destruir suas covas e currais.
Enquanto houver 20 mil cargos de confiança no país, haverá rapinantes e embusteiros; enquanto houver estatais controladas por sindicatos, fundos de pensão expostos ao roubo, haverá alfaneques e flibusteiros; enquanto houver subsídios a fundo perdido, tipo Sudam ou Sudene, haverá chupistas.
E, por ironia, os ladravazes são nosso perigo e nossa esperança. Os pelego-bolchevistas que lutam para ficar no poder os consideram meros degraus para a "revolução", um mal necessário para basear o retrocesso estatizante, o "chavismo cordial" que querem trazer por aí. Um perigo.
Por outro lado, é tanta a sordidez dos aliados de base que sua "malemolência" malandra vai minar qualquer tentativa de controle excessivo de "comissários do povo" sobre a sociedade, nesse subperonismo que querem criar se chegarem ao poder de novo.
A que ponto chegamos: os canalhas são também uma ridícula esperança democrática.
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