Direito de morrer
FOLHA DE SÃO PAULO - 27/03/10
As soluções terão elementos negativos, mas, se posso ser profeta, o assunto será cada vez mais trazido à baila
O TÍTULO mais apropriado para esta coluna seria sob forma de interrogação, mas num país em que o induzimento, a instigação ou o auxílio ao suicídio é subtipo dos crimes contra a vida, no Código Penal, a pergunta não teria cabimento. Ou seja, no Brasil não há direito de, voluntariamente, pelas próprias mãos, por sugestão ou com ajuda de alguém terminar a própria existência.
O leitor pode, nesse caso, perguntar se o próprio suicida comete crime. Não pratica delito algum, previsto na lei brasileira, pois sua morte resolve todos os problemas penais.
Os romanos tinham uma frase bonita a respeito: mors omnia solvit. Se a memória não me trai foi Walter Raleigh quem, correndo o polegar pelo fio do machado do carrasco que o iria decapitar, disse: "Eis o remédio para todos os meus males".
E se o pretendido suicida falhar na tentativa, pode ser condenado? A resposta é negativa. A razão para tanto é rigorosamente lógica: suicidar é atingir, por vontade própria, a morte. Se a tentativa fracassa, não há crime por aquele que atentou contra a própria vida. Tem conduta em que é, ao mesmo tempo, vítima e autor.
Última pergunta: o direito deveria admitir a possibilidade de que, sob condições muito restritas, a ajuda para o suicídio fosse permitida?
Se o tema não parecer mórbido ao leitor e tiver interesse, recomendo-lhe que veja o filme "Escolha da Vida", produzido pela BBC (British Broadcasting Corporation), do Reino Unido, que vi no canal 41 da TV por assinatura.
É a história verdadeira de médica inglesa na luta para conseguir morrer, numa clínica suíça, ingerindo veneno fatal. Estava acometida por doença progressiva incurável que tendia a terminar com toda sua capacidade de gesto, palavra ou mostra de qualquer vitalidade, até a paralisia terminal.
É evidente que, na espécie, colocado o tema sob o ponto de vista religioso, parece preponderante a tendência de não aceitar a solução. É mais evidente ainda que o tema crescerá de importância, na medida em que a medicina crie mais modos de prolongar a existência humana, sem manter sua qualidade.
A atividade integral da pessoa, com gestos, sentimentos e ações compõem o verdadeiro quadro do que é a vida. Quando mantido apenas o batimento cardíaco, o quadro se altera. Imaginado, porém, o ser humano na fase final do mal de Alzheimer, sem cura ou recuperação previsível, no caminho fatal de vida apenas vegetativa. Se a moléstia for detectada num tempo em que o paciente ainda mantém o raciocínio e o manifestar, a antecipação da morte eliminará a carga de sofrimento até o momento derradeiro. Diga o leitor: deve ser admitida?
É natural que, ao lado dessas considerações, se há de fazer outra, relativa aos eventuais interessados em que o paciente morra logo, com olhos para a herança ou qualquer outro benefício.
Todas as soluções terão elementos negativos, mas, se posso ser profeta, o assunto será cada vez mais trazido à baila. É mais uma das muitas consequências da existência sempre mais longa.
A medicina paliativa é o caminho paralelo, na busca de diminuir a angústia e o sofrimento do doente e de seus parentes próximos. Será etapa da caminhada, até a avaliação final do momento em que a ciência não conseguir evitar a morte.
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