| |||
| |||
DESDE QUE passou a compilar sistematicamente suas estatísticas fiscais, o Brasil adotou o conceito de dívida líquida do setor público (DLSP), deduzindo certos ativos da dívida bruta. Havia e ainda há (até certo ponto) motivos para esse tipo de procedimento, mas desenvolvimentos recentes geram dúvidas acerca da relevância da DLSP como medida de endividamento do governo. Note-se que o próprio conceito da DLSP é intimamente ligado ao desempenho fiscal. Caso o governo incorra em deficit, terá que se endividar; no caso contrário diminui seu endividamento, isto é, o deficit fiscal nada mais é do que a variação do endividamento entre dois momentos. Assim, se no começo do ano a dívida for R$ 100 e, no final do período, atingir R$ 120, o deficit público naquele ano terá sido de R$ 20 (é algo mais complicado que isso, mas podemos ignorar os detalhes). É possível, então, medir a pressão do governo sobre a demanda por meio da variação da sua dívida, mas essa definição implica questões importantes. Imagine, por exemplo, que o governo decida adquirir reservas sem aumentar impostos ou cortar gastos, ou seja, mantendo a política fiscal inalterada. A contrapartida da compra (esterilizada) de moeda forte é um aumento da dívida interna, mas, pelo menos numa primeira aproximação, não deveria haver nenhum impacto significativo dessa política sobre a demanda. Se isso for verdade, não deveríamos tomar o aumento da dívida resultante da compra de divisas como expansão fiscal. Isso parece incoerente com a discussão acima, mas pode ser facilmente reconciliado se definirmos a dívida deduzida das reservas como a medida relevante de política fiscal. Nesse caso, o aumento da dívida interna é compensado pela elevação das reservas, mantendo a dívida líquida constante (no momento da aquisição das reservas), refletindo a estabilidade da política fiscal e, portanto, da demanda. Ocorre que, no caso do Brasil, outros ativos, além de reservas internacionais, podem ser abatidos da dívida bruta para cálculo da dívida líquida, em particular os créditos concedidos pelo Tesouro Nacional ao BNDES e o recursos do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador), a principal fonte de dinheiro para aquela instituição. A bem da verdade, diga-se, esses montantes mantiveram-se relativamente estáveis por um longo período até o final de 2008, quando, em nome da política anticíclica, os créditos do governo ao BNDES (e demais instituições financeiras oficiais) aumentaram o equivalente a 5,5% do PIB, implicando descolamento mais expressivo entre dívida bruta e líquida. Embora essa política tenha um efeito expansivo considerável sobre a demanda, assemelhando-se em muito à política fiscal, as estatísticas não a capturam. A DLSP considera, por um lado, a expansão do endividamento do Tesouro Nacional, e, pelo outro, um aumento dos ativos governamentais, sem efeito (imediato) sobre o seu saldo. Essa peculiaridade das contas fiscais brasileiras permite, assim, que a expansão (quase) fiscal não seja registrada, limitando severamente a relevância do conceito de dívida líquida. Ainda acredito que reservas internacionais (ativos de elevada liquidez) possam ser deduzidas da dívida bruta, o que nos deixaria com uma dívida líquida corrigida da ordem de 50% do PIB. As demais deduções, porém, não parecem mais fazer sentido econômico. Se quisermos continuar a expansão fiscal, seria adequado que nossas estatísticas mostrassem isso. Não muda nossa perspectiva de solvência, mas reflete de forma mais acurada as pressões sobre a demanda. ALEXANDRE SCHWARTSMAN , 47, é economista-chefe do Grupo Santander Brasil, doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley) e ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central. |
quarta-feira, março 17, 2010
ALEXANDRE SCHWARTSMAN
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário